quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Memória perdida pelo AVC volta com malhação - Marcela Ulhoa‏

Treinos aeróbicos e de resistência muscular podem, em seis meses, reduzir problemas cognitivos de pacientes que sofreram derrame cerebral 
 

Marcela Ulhoa



O derrame cerebral, nome popular do acidente vascular cerebral (AVC), ocorre subitamente em qualquer idade, sexo ou classe social. Ele é a segunda causa de morte no mundo, responsável por 6 milhões de óbitos a cada ano, e a principal causa de incapacitação devido às sequelas. Problemas cognitivos, como perda de memória e dificuldade de concentração, estão entres as consequências do mal. Desconfortos que, segundo pesquisadores da Universidade de Toronto, no Canadá, podem ser amenizados pela prática de exercícios físicos. 
 
Seis meses de treino aeróbico aliado a atividades de resistência podem melhorar em até 50% dos casos os problemas cognitivos depois do derrame. A atividade física já era conhecida como uma importante aliada na recuperação das funções motoras, também comprometidas pelo AVC, mas é a primeira vez que são estudados os benefícios para o cérebro. De acordo com a médica Susan Marzolin, autora do artigo, o comprometimento cognitivo leve ocorre em até 64% das pessoas que sofrem um derrame e pode aumentar em três vezes o risco de mortalidade depois do problema vascular. “Ele também é associado ao aumento das taxas de institucionalização dos pacientes e à diminuição das atividades funcionais diárias. Além disso, o comprometimento cognitivo aumenta o risco do desenvolvimento de demência”, explica Susan.
 
O que a pesquisadora defende é que levantar peso não só melhora a força muscular, assim como caminhar não ajuda apenas no condicionamento cardiorrespiratório. As duas atividades, quando realizadas em conjunto e com frequência, podem também incentivar a neurogênese dos pacientes que sofreram um AVC. Além disso, ela acrescenta que evidências recentes relacionam a atrofia cerebral e o pobre desempenho cognitivo ao aumento da massa gorda em pessoas com início de Alzheimer. 
 
De acordo com a neurologista Letícia Costa Rebello, da Academia Brasileira de Neurologia (ABN), o estudo canadense traz uma nova e importante perspectiva, já que as pesquisas com foco na relação entre exercício e a melhora cognitiva ainda são muito novas e experimentais. “São teorias, hipóteses. Acredita-se que o exercício melhora a oxigenação cerebral e facilita a neurogênese, mas nada é muito tachado.” 
 
A neurologista explica que, quando uma pessoa sofre um AVC, algumas áreas do cérebro ficam inativas. “Aquele pedaço em que ocorreu o derrame fica morto e perde as funções. A partir do momento em que isso ocorre, surge a necessidade de ativar áreas próximas e que possam dar conta das funções do tecido perdido”, ressalta. Os exercícios físicos, nesse sentido, funcionariam como estímulos nessas outras regiões, pois seriam capazes de facilitar o surgimento de novos neurônios.

Campanha Neste ano, a importância da reabilitação de pacientes que sofreram um derrame ganhou destaque especial. O Congresso Internacional de AVC, organizado pela World Stroke Organization (WSO), ocorrido esta semana, teve como lema Eu me importo. Além de focar na educação sobre fatores de risco, sinais de alerta e a urgência do tratamento do AVC, a campanha de 2012 enfatiza a importância do cuidado, depois do derrame, por parte da família, dos cuidadores e das associações de suporte aos pacientes.
 
“A pessoa que tem um AVC vai apresentar um déficit específico, pode ser visual, na fala, motor ou cognitivo. Ela está em uma idade produtiva, trabalhando, mantendo uma família e, de uma hora para outra, fica incapaz de realizar essas mesmas tarefas. Isso é um impacto absurdo na vida dela e na da família”, enfatiza Letícia Rebello.
 
Maria da Graça Silveira e seu marido, Francisco de Assis Linhares, conhecem bem as dificuldades da adaptação. A dona de casa de 62 anos se tratava contra um câncer descoberto no ano passado, quando teve um AVC. “Ela estava respondendo bem à quimioterapia, mas teve um derrame durante esse período. Depois, me aposentei para cuidar dela”, conta Francisco, de 64, que trabalhava como médico intensivista.
 
Atencioso, Francisco acompanha a mulher todos os dias na clínica de reabilitação e comemora a rápida melhora. Depois de dois meses de tratamento, Maria da Graça já consegue movimentar a perna esquerda e, em pouco tempo, deve sair da cadeira de rodas. Os exercícios aeróbicos começaram a ser feitos. No futuro, virão os de resistência muscular. A meta da equipe médica que atende Maria da Graça é fazer com ela esteja caminhando livremente dentro de duas semanas. Depois disso, o foco será a recuperação do movimento de seu braço esquerdo.

Momento certo
 Membro da equipe de médicos responsável pela reabilitação de Maria da Graça, Carlos Gropen, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília (UnB), ressalta a importância de definir o momento certo para a realização de exercícios em pacientes com AVC em processo de reabilitação. “Se você coloca o paciente antes do tempo para fazer um exercício muito pesado, pode forçar as articulações do joelho dele, por exemplo. Ele começa a andar, mas logo vai parar de novo porque estará lesionado. Precisamos trabalhar juntos, com um grupo formado por fisioterapeutas, médicos, fonoaudiólogos, psicólogos.” 
 
Gropen reforça ainda que é importante desmistificar a ideia de que há o tempo máximo de um ano para que as funções perdidas pelo AVC possam ser recuperadas. “Já existem casos comprovados na literatura de pessoas que recuperaram movimento depois de sete, oito anos”, diz. O médico reforça a importância de incentivar os pacientes e mostrar a eles que é possível ter qualidade de vida mesmo após um AVC.

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