terça-feira, 16 de outubro de 2012

PAULO SANT’ANA - As aeromoças

Quando eu fui jovem, fogoso, impetuoso, era apaixonado por pés de mulheres.

Hoje, que perdi o viço e o desejo, sou apaixonado por sapatos de mulheres.

Sendo assim, meu presuntivo e inofensivo fetiche de hoje são essas sapatilhas que as mulheres estão usando, uma modelagem de calçados que conseguiu o milagre de fazer as mulheres ficarem belas e elegantes com sapatos baixos, quando isso só era possível, antes, quando trafegavam de saltos altos.

Essas sapatilhas são prometedoras e transmitem-nos fantasias sobre a sensualidade dos pés que escondem, mostrando-lhes apenas as alvíssaras.

É preciso que, imediatamente, os proprietários das empresas de aviação de passageiros tenham consciência de que, no geral, suas aeromoças tratam rudemente os passageiros de aviões.

Elas não agridem os passageiros, mas sua rudeza se demonstra pela indiferença que dedicam a eles.

Passam depressa pelos passageiros nos corredores, como que a transmitir que seriam molestadas se alguns deles lhes solicitassem algo.

Toda a aparência das atuais comissárias de bordo tem um ar ameaçador de que qualquer solicitação de um passageiro perturbaria completamente sua mobilidade, como se esta se destinasse somente às outras providências de serviço que não impliquem contato com os clientes sentados espremidamente nas poltronas.

Foi-se o tempo em que as comissárias de bordo eram verdadeiras divindades para os passageiros durante o voo.

Hoje elas não dedicam mais aos passageiros aquela amabilidade de antigamente, quando eram devocionais no tratamento aos passageiros, verdadeiros anjos de bondade e cortesia.

Será que o treinamento de hoje inclui esse distanciamento frio e calculado das aeromoças? Será que seus instrutores transmitem a elas a ideia de que o passageiro é um chato e de que elas, se o forem atender com gentil dedicação perderão tempo precioso para as outras tarefas importantes que têm na organização da viagem?

Será que essa rudeza é das moças ou é das empresas de aviação, que as conduzem a essa brutal indiferença com os passageiros?

Será que seus instrutores as ensinam a tornar difícil o atendimento para que elas não sejam constantemente chamadas e assim percam seu tempo precioso com a chatice exigencial dos passageiros?

O fato é que as comissárias de bordo perderam no conceito do público aquela imagem de enfermeiras da alma e do espírito que detinham entre todos os que viajavam de avião.

Algo aconteceu. E a impressão que eu tenho é de que uma categoria tão importante como a delas não iria ter modificado assim de repente o seu caráter de serviço atencioso para esta severidade que se verifica hoje em todos os voos, com raríssimas exceções.

Não foram elas que decidiram tornar-se rudes e indiferentes, algumas veladamente agressivas. É certo que foi algum tecnocrata diabólico que bolou que elas modificassem o seu modo tradicional de ser para pior, com a intenção de fazê-las mais úteis ao funcionamento de bordo nas outras tarefas todas que não dizem respeito ao atendimento direto do passageiro.

O fato é que entre nós, os passageiros, as comissárias de bordo perderam aquela imagem de solicitude angelical que possuíam.

E com isso perdeu o público um tesouro de memória precioso que foi construído por milhares de aeromoças que trataram bem seus passageiros durante quase um século.

As aeromoças, hoje, não passam de uma categoria qualquer, honrada, mas sem distinção. Uma profissão singela, igual a todas as outras.

Quando antigamente elas eram na nossa memória um sacrário de sociabilidade.

ZERO HORA
16/10/2012 

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