segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Teste identifica falhas genéticas em dois dias - Bruna Sensêve‏

Indicado para recém-nascidos internados em UTIs, exame mapeia todos os genes em busca de problemas que possam resultar em doenças 
 

Bruna Sensêve


As doenças genéticas estão entre as causas mais comuns de mortalidade em unidades de terapia intensiva (UTIs) neonatais. A dificuldade para a diferenciação dos sintomas e um diagnóstico rápido é o fator de maior angústia de pais e médicos na urgência em salvar recém-nascidos. Também focados no atendimento emergencial dessas crianças, pesquisadores americanos desenvolveram a primeira aplicação clínica do sequenciamento genômico completo. Em cerca de 50 horas, a técnica é capaz de mapear todos os genes do bebê e apontar a possível causa genética para graves manifestações clínicas. O teste tenta ainda atravessar o primeiro obstáculo entre os 13 anos de desenvolvimento do Projeto Genoma e a aplicação clínica das descobertas de forma rápida e bastante cara.

“Todos nós já ouvimos, talvez por 15 anos, que o sequenciamento completo do genoma estava prestes a transformar a prática médica. Para aqueles que, como nós, têm decodificado genomas, isso tem sido fenomenalmente frustrante por realmente não ter acontecido até agora”, afirma o principal autor do estudo, Stephen Kingsmore, diretor do Centro para a Medicina Genômica Pediátrica no Hospital Infantil da Misericórdia, na cidade do Kansas (EUA). Ele aponta três motivos para o atraso. O primeiro e mais importante deles é a lentidão do processo, seguido da complexidade de interpretação do genoma. Juntos, os dois fatores impedem um prazo de processamento relevante para que os dados genéticos possam ser aproveitados em pacientes graves. Outro ponto é o altíssimo custo dos procedimentos.

Os cientistas envolvidos no desenvolvimento do exame contam que, atualmente, a análise completa do genoma de um recém-nascido feita por eles custa quase US$ 14 mil, aproximadamente R$ 28 mil. Isso se o maquinário tecnológico estiver disponível no país. A esse valor somam-se os gastos necessários para manter um bebê na UTI, cerca de US$ 8 mil nos Estados Unidos e entre R$ 5 e R$ 10 mil no Brasil por dia de permanência. Há ainda os medicamentos e outros procedimentos, o que deixa o exame distante da realidade da maioria da população mundial.

Experimentos Publicado recentemente na revista Science Translational Medicine, o estudo baseia-se em testes experimentais feitos com famílias voluntárias durante cerca de seis meses no Hospital Infantil de Misericórdia, nos Estados Unidos. No total, participaram do diagnóstico sete bebês, sendo dois para uma análise retrospectiva (após o óbito) e cinco para o diagnóstico em tempo real. Em apenas um deles, não foi possível obter o resultado definitivo para identificação do distúrbio genético.

Os pesquisadores detalham no artigo que o motivo principal teria sido a descrição errada e muito limitada dos sintomas da criança. Essas primeiras manifestações clínicas observadas pelos médicos neonatais são inseridas em um software e vão delimitar qual parte do genoma sequenciado pode estar relacionada a uma possível mutação. A criança em questão não resistiu aos efeitos da doença genética e morreu antes que um diagnóstico preciso pudesse ser feito. A equipe de pesquisadores ressalta que, ainda assim, a identificação da doença genética é extremamente importante.

A neonatologista Carol Saunders trabalha diretamente com as famílias que participaram do estudo. Segundo ela, a principal angústia dos pais é saber se existe risco de que a desordem genética ocorra de novo e qual seria a exata probabilidade disso. “Ter o diagnóstico definitivo é útil para as famílias, mesmo nos casos em que não existe um tratamento eficaz. Saber o defeito molecular pode fornecer algumas informações sobre o prognóstico e a família sabe o que esperar”, analisa.

A ferramenta permite também que pediatras, neonatologistas e geneticistas façam um aconselhamento genético preciso às famílias sobre o risco de ter outro bebê afetado. Dessa forma, é possível tomar decisões sobre o futuro reprodutivo. “Por exemplo, trabalhamos com uma família para encontrar um diagnóstico (no bebê). Agora, os pais conhecem o gene que causou dois nascimentos com distúrbios nas únicas duas gestações que tiveram”, relata Saunders. Segundo a especialista, os pais buscam agora o diagnóstico de manifestações do gene para que possam ter um bebê saudável.

Dificuldades no Brasil Nos Estados Unidos, estima-se que 20% das mortes em UTIs neonatais ocorram por desordens genéticas que acometem as crianças desde o nascimento. Segundo a presidente da Sociedade Brasileira de Genética Médica, Lavinia Schuler Faccini, o Brasil caminha para índices ainda mais altos com o aprimoramento dos centros de saúde e do atendimento médico. 

Desordens genéticas já são consideradas a segunda maior causa de morte em UTIs neonatais brasileiras. A primeira, segundo Lavinia, tem origens desconhecidas. Ela acredita, no entanto, que a dificuldade de diagnóstico dos males genéticos em recém-nascidos provavelmente insere essas desordens também nesse primeiro grupo.

“Antigamente, as infecções eram os problemas que mais levavam crianças às UTIs. Agora, países de alto poder aquisitivo já resolveram essas questões e as desordens genéticas surgiram como uma das maiores causas da mortalidade perinatal. No Brasil, o número de infecções está caindo e começamos a nos aproximar disso”, avalia Faccini. Ela detalha que, em maternidades especializadas, principalmente na Região Sul do país, é possível chegar a 40% das mortes neonatais causadas por distúrbios genéticos. 

Mesmo com o aumento da incidência, os pais brasileiros precisarão esperar certo tempo para a tecnologia chegar à América Latina. Não há previsão para isso. Os pesquisadores pretendem oferecer o serviço ao público americano até o fim do ano. “Achamos que poderemos oferecer esse serviço para os médicos do país (EUA) que possam nos enviar uma amostra de DNA dos recém-nascidos. Isso ocorrerá em algum momento no início do ano que vem”, prevê Kingsmore. 


SAIBA MAIS: Patologias monogênicas
O exame relatado pelos pesquisadores americanos trata apenas de doenças consideradas monogênicas, ou seja, causadas por um único gene. Segundo os médicos do Hospital Pediátrico de Misericórdia, do Kansas (EUA), as primeiras análises escolheram especificamente doenças genéticas em que a herança familiar age de forma clara. Eles consideram que as doenças monogênicas são as únicas em que as mutações são deterministas. Se você tem a mutação, tem a doença. No entanto, um grupo internacional de cientistas publicou, no mês passado, um artigo que mostra a variabilidade genética das doenças e aponta a possibilidade de distúrbios primeiramente atribuídos a um único gene serem, na verdade, manifestações de um conjunto de distúrbios genéticos localizados em diferentes partes do DNA. Stephen Kingsmore, principal autor do estudo americano, acredita, no entanto, na linha escolhida pelo seu grupo para desvendar os mistérios da genética. “Acho que olhar para doenças de um único gene é o caminho para desenvolver o nosso conhecimento”, avalia. 

ESTADO DE MINAS
15/10/2012

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