segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

A POÉTICA DE SYLVIA PLATH

 O estado de SãoPaulo - 11/02/2013

Escritora de estilo forte e hábil em unir técnica e paixão mantém sua força e genialidade 50 anos após sua morte

Rodrigo Garcia Lopes
ESPECIAL PARA O ESTADO

“Senhoras e senhores / Eis minhas mãos,meus joelhos. / Posso ser só pele e osso / No entanto sou a mesma, idêntica mulher”, escreve Sylvia Plath, com sua peculiar ironia, em Lady Lazarus.
E, no mesmo poema: “A multidão, comendo amendoim / Se aglomera para ver / Desenfaixarem minhas mãos e pés –/ O grande strip-tease”.

A poeta, que se matou há exatamente 50 anos, parece aqui antever o circo em torno de seu suicídio, a espetacularização de sua imagem e sua transformação em mártir feminista, e que ainda continua com força em nossos dias de culto à celebridades instantâneas.

Por outro lado, na academia, por muito tempo se privilegiaram os aspectos biográficos e sensacionalistas (o abandono e a traição de Hughes), eclipsando o valor de sua arte e de sua intervenção estética na poesia dos anos 50-60.

Como lembra Camile Paglia, o que ocorreu na esteira do furor feminista que acabou tomando conta do discurso em torno da poeta americana foi que “o engajamento erudito de Plath com escritores canônicos homens foi minimizado e suprimido”. De fato, os poetas de sua devoção eram, além de Emily Dickinson, Blake, D.H. Lawrence, Roethke, Eliot, Yeats, e Lowell (que foi seu professor). Plath soube superar esse cânone pesadíssimo e, livre de angústias de influências, criar uma dicção poética singular.

A canonização, a fama e o rótulo de “poeta confessional” ou “suicida” foram amargos para a poesia de Plath. Ainda em vida (tinha apenas 30 anos quando morreu), ela alertava para a recepção de seus poemas como meros “gritos do coração”. “Creio que se deva saber controlar as experiências, até as mais terríveis, como a loucura, como a tortura e se deva saber manipulá-las com uma mente lúcida que lhe dê forma.” Ou seja, não tanto poemas sobre experiências mas como experiências. Seria mais correto chamar su poesia de “conficcional”, pois ela soube tomar fatos autobiográficos, históricos, míticos, e adaptá-los à sua própria mitologia pessoal. Alguns temas: incesto, aborto, suicídio, doença mental, a opressão da mulher, a maternidade, o corpo, a morte.

De modo não panfletário, Plath soube como poucas transformar suas experiências em desafios à sua própria habilidade poética, como atestam obras-primas como 40 Graus de Febre, Rival, Ariel, A Chegada da Caixa de Abelhas, Palavras e Papai (o equivalente feminino ao Uivo de Ginsberg). Poesia de imagens fortes e grande musicalidade, pedindo para serem lidos em voz alta, como os de Ariel. Ou como em Corte, onde podemos ver seu processo poético em ação: o corte no dedo serve de motivo poético para uma viagem alucinada e de imagens violentas: o polegar cortado assume as máscaras de um chapéu, de um escalpo de um “pioneiro”, uma garrafa de champanhe, um piloto camicaze, um membro da Klu- Klux-Klan, um moinho. Quase sempre ela parte de um incidente “menor” para falar de algo mais amplo (o Holocausto, Hiroshima).

Sylvia Plath foi uma artista da palavra mais que meramente a poeta “suicidada pela sociedade”. Dominava uma variedade de formas e tinha seu dicionário Webster como verdadeira bíblia. Seus melhores poemas ficaram como prova definitiva de sua genialidade poética, conseguindo unificar técnica e paixão. Mais: ela conseguiu fundir, como poucos poetas, o pessoal e o político, sem nunca esquecer, obviamente, o poético. Claro que uma poeta “forte” como Plath deixou sua influência, como em Anne Sexton, Sharon Olds, Adrienne Rich, além do próprio Ted Hughes (que emulou seu estilo em Cartas de Aniversário).

No Brasil, encontram-se traduções, ecos e citações de Plath na poesia de Ana Cristina Cesar (1952-1983), entre outras escritoras. Apesar de ter escrito também prosa (um romance, contos, diários, cartas), Plath se definia sobretudo como poeta, uma artesã: “Poesia é uma disciplina tirânica. Você tem de ir tão longe, tão rápido, em tão pouco tempo, que nem sempre é possível dar conta do periférico. Num romance talvez eu possa conseguir mais da vida, mas num poema eu consigo uma vida mais intensa”.

RODRIGO GARCIA LOPES É POETA, COMPOSITOR E TRADUTOR. ESTÁ LANÇANDO SEU SEGUNDO DISCO, CANÇÕES, DO ESTÚDIO REALIDADE

LEITURA

Livros de Sylvia Plath
Ariel (Editora Verus)
Poemas (Iluminuras)
O Terno Tanto Faz
Como Tanto Fez (Rocco)

Obras sobre ela
A Mulher Calada
Eensaio de Janet Malcolm
(Companhia das Letras)
A Poética do Suicídio
em Sylvia Plath
Ensaio de Ana Cecília Carvalho
(Editora da UFMG)

Nenhum comentário:

Postar um comentário