segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

O QUE QUE HÁ COM A SUA BARATINHA? - Joaquim Ferreira dos Santos

  

O GLOBO - 11/02/2013
Está na hora de mudar
o disco do carnaval e curtir
o lado B da viúva, do
brotinho e da madame


A mulata bossa nova vai me desculpar e a Maria Sapatão também. Mas é carnaval e eu, cansado de sair com elas em outras folias, queria cantar outras mulheres.

As marchinhas ressurgiram aqui neste espaço, numa série de crônicas exaltatórias, no início de 2006. A nega do cabelo duro era coisa só de gente muito velha, de carecas que entre as mulheres ainda se achavam os maiorais. Aquelas letras eram confetes coloridos de antigos carnavais dos quais só cronistas, eternos índios querendo apito, se lembravam.

Depois destas crônicas, verdadeiros gatos na tuba resfolegando no coreto do jardim, veio em 2007 o musical “Sassaricando”, de Rosa Maria Araújo e Sergio Cabral — e o resto é história, é cabeleira do Zezé, é daqui não saio, daqui ninguém me tira, e outros bigorrilhos aos quais o carnaval carioca agradece e sai pulando. É com esse que eu vou.

O problema é que está na hora de mudar o disco e curtir o lado B da viúva, do brotinho e da madame. Quero sassaricar, todo mundo quer, porque sem isso a vida é um nó, mas está na hora de pedir, vira meu bem, e cantar outras músicas no ouvido da festa. Deus me livre e guarde de pedir que se dê um tempo em Braguinha, Paquito e Romeu Gentil, ou Mirabeau, mas, saravá, meu pai, vamos deixar descansar as “Touradas de Madri”, o “Tomara que chova” e o “Tem nego bebo aí”. Há marchinhas que não acabam mais. Não vai aqui nenhum preconceito contra a cabeleira do Zezé ou a Chiquita Bacana, a gostosérrima existencialista cheia de razão. Elas serão cantadas sempre, pois um carnaval sem elas seria como um show dos Rolling Stones sem “Satisfaction”.

Pede-se apenas uma saudação também para a chegada do general da banda e aproveite-se para perguntar a ele que negócio é esse de “vara madura que não cai”. Louvemos ainda a Eva, querida, de quem todos queremos, pelo menos num carnaval, ser o seu Adão. Por que não entronizá-los nos novos cordões?

As novas gerações de cariocas tomaram gosto pelas marchinhas e, a propósito, foi lançado agora um ótimo CD com versões para crianças, feito pelo clã Martinho da Vila. Mas lá está de novo a jardineira sendo cantada como se fosse a única mulher do salão. Como se não houvesse Isaura (“hoje eu não posso ficar”), como se não houvesse Iaiá (“cadê o jarro?”) e a Maria Candelária (a alta funcionária que saltou de paraquedas e caiu na letra O).

Mamãe, eu quero mamar nas tetas da Maria Escandalosa, mesmo sabendo que desde criança ela dá alteração. Quero dançar o minueto, que vem lá do Municipal, outra delícia carnavalesca que o pirata da perna de pau, para que só ele brinque na boca da galera, escondeu no baú.

Marchinha de carnaval é muito mais do que atravessar o deserto do Saara, tomar uma latinha de cerveja com o sol a queimar a cara de todo mundo. É hora de lembrar a balzaquiana (“mulher só depois dos 30”), as macacas de auditório (“ela é fã da Emilinha”) e a garota Saint- Tropez (“com o umbiguinho de fora”). Vamos mudar o tom, embora, repita-se, nada aqui se tenha contra o bafo da onça e a merecida exaltação de que ele é o bom, é o bom, é o bom.

Vamos inventar uma nova cantada, garotão. Quando passar à sua frente aquela gata de penugem dourada na coxa, levante os braços e cante “você roubou meu sossego, você roubou minha paz”, outro clássico de Mirabeau, compositor pouco conhecido que, no entanto, deveria ser entronizado ao lado de Braguinha, Lamartine e João Roberto Kelly, como um dos reis do carnaval.

Já que a pândega está liberada, já que as moças estão cada vez mais divertidas, por que não brincar com elas cantando a irresistível “O que que há com a sua baratinha?”, que Orlando Silva gravou nos anos 40, no auge das corridas de automóvel no circuito da Gávea, e décadas depois Jorge Veiga confirmou em outra gravação, cheio de duplos sentidos, já com as baratinhas automobilísticas enterradas.

Neste carnaval eu quero rosetar, não quero mais saber de brincar só com vocês, nega maluca, louras, cor de laranja, 100 mil, e outras musas do carnaval Brasil. Quero carne nova,papos outros, e mais daquela que quando ela chega todo mundo grita, estou aí, nessa marmita. Viva o lado B da linda morena, abram alas para novos clássicos do carnaval.

Zé da Zilda e Zilda do Zé estão dizendo que o doutor mandou todo mundo gingar. Paquito e Romeu Gentil estão mandando todo mundo para Jacarepaguá, que lá mulher é mato e — carnaval é pra isso mesmo — todo mundo precisa se arrumar.

Se essa zorra não virar, se o bafômetro não acusar, a gente chega lá.

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