Veja - 28/05/2013
Em uma carta encaminhada ao ex-presidente, o senador reclama do
isolamento político e mostra as contradições enfrentadas pelo PT quando
o assunto é ética
O senador Eduardo Suplicy, do PT de São Paulo, é um político
excêntrico. Ele já botou chapéu de Robin Hood, já vestiu uma cueca
vermelha e destilou pelos corredores do Congresso e, vez por outra,
canta no plenário para chamar atenção sobre algum assunto. O0
parlamentar também já esteve na linha de frente de causas importantes.
Contrariando a orientação do seu partido, ele apoiou a CPI que
desmascarou a quadrilha do mensalão. Mais recentemente, esteve ao lado
da blogueira cubana Yoani Sánchez, quando os petistas a hostilizavam
país afora. Na semana passada. Suplicy subiu ao palco durante um show
em São Paulo e implorou a ladrões que devolvessem sua carteira, furtada
minutos antes. Ele nem queria de volta o dinheiro que havia nela,
cerca de 400 reais. Bastava que devolvessem os cartões e os documentos.
Foi ovacionado pela multidão. Esse comportamento autêntico garante ao
senador uma imensa legião de admiradores — e uns poucos, mas poderosos,
desafetos. Há mais de vinte anos, esses admiradores renovam o mandato
de Suplicy a cada eleição. Os desafetos, pela primeira vez, apostam que
esse ciclo acabou.
Nos planos da cúpula do PT, Suplicy foi escolhido para o sacrifício
eleitoral. Para viabilizarem uma coligação ampla que permita ao partido
disputar o governo de São Paulo em 2014, os petistas planejam entregar
a vaga do senador a outra agremiação. Pode ser ao PMDB, ao PSD ou até
mesmo ao PR do mensaleiro Valdemar Costa Neto. Feito isso, a menos que
mude de partido, Suplicy não poderia disputar sua recondução ao Senado.
A estratégia petista prevê, no máximo, a possibilidade de ele
concorrer a uma vaga na Câmara dos Deputados. "Ele seria o nosso
Tiririca", conta uma liderança petista, Suplicy identificou a origem do
plano e, durante os últimos meses, tentou uma audiência com o
ex-presidente Lula para tratar do assunto. Ligou para a secretária,
pediu a ajuda de companheiros, enviou recados. Nada. No último dia 6,
sem receber nenhuma resposta, o senador foi ao Instituto Lula e
entregou uma carta ao ex-presidente. Uma carta cheia de ponderações e
desabafos — uma sutil lição de moral.
Desde que chegou ao poder, em 2003, o PT abandonou o que se
imaginava ser o mais sólido pilar de sustentação do partido: o
compromisso com a ética. Na cana a Lula, Suplicy recorda esse
propósito: "Sempre teríamos na transparência de nossos atos e na ética
na s ida política os valores fundamentais do PT". E depois alfineta:
"Foi o que muitas vezes ouvi de você". O senador, com elegância, mas
sem esconder a mágoa de saber que o seu futuro político está sendo
definido pelos companheiros à sua revelia, disparou: "Há apenas uma
hipótese de eu abrir mão de disputar o Senado em 2014: caso você tLitUit
queira disputar". Ninguém cogita a hipótese de o ex-presidente se
candidatar ao Parlamento. Ainda assim, o senador escreveu: "Li com
atenção uma entrevista sua em que lembrava de como Darcy Ribeiro
costuma dizer que entrar no Senado era como entrar no céu (...)
Acredito que considere algo positivo tornar-se senador". Ironia pura.
A carta teve algum efeito prático. Depois de tentar uma audiência
por mais de quatro meses, Suplicy foi recebido pelo ex-presidente.
Quebrando o protocolo, o encontro não foi documentado pelo fotógrafo
oficial de Lula. Ficou por conta do próprio senador registrar a reunião
em seu celular. Na cena, aparece um Suplicy sorridente ao lado de um
Lula aparentemente constrangido. De acordo com o senador, a imagem não
reflete o clima do encontro. Lula teria sido simpático e categórico:
"Eduardo, não existe hipótese de o PT impedir que você seja o
candidato". Na política, o que se fala muitas vezes não se escreve. Mas
para o senador está tudo resolvido. Ele conseguiu a garantia da maior
liderança petista de que o partido não vai mais lhe bater a carteira
nas eleições. Os ladrões também devolveram os documentos e os cartões.
São Paulo, 6 de maio de 2013
"Caro presidente Luiz Inácio Lula da Silva:"
"Sempre teríamos na transparência de nossos atos e na ética na vida
política os valores fundamentais do PT, foi o que muitas vezes ouvi de
você. Nesses 33 anos de militância honrei esses valores e objetivos".
"Quero lhe transmitir pessoalmente a minha disposição de ser
candidato ao Senado em 2014 e naquela casa continuar a honrar o PT.
Tenho procurado marcar um encontro pessoal, há meses, mas por alguma
razão tem sido sempre adiado".
"Gostaria de relembrar que, em 2011, quando éramos cinco os
pré-candidatos a prefeito de São Paulo, você convocou os demais para
dialogarem com você no Instituto Lula para que desistissem em favor de
Fernando Haddad. Imagino que tenha avaliado que não precisava conversar
comigo".
"Há cerca de duas semanas, conforme soube pela imprensa, houve
reunião no Instituto Lula. em que estiveram presentes os presidentes
nacional e estadual. Rui Falcão e Edinho Silva, outros importantes
dirigentes e pelo menos oito prefeitos do PT. Não fui convidado, embora
ali tenha se discutido a campanha de 2014, os procedimentos para a
escolha de nosso candidato ao governo de São Paulo, ao Senado e
possíveis coligações. Segundo o divulgado, os presentes teriam
solicitado à direção organizar uma pesquisa de opinião para saber qual o
candidato a governador mais viável. Ademais, cogitou-se a
possibilidade de que eu pudesse ser candidato a deputado federal para
fortalecer a legenda do PT, com a informação de que caberia a você
convencer-me desta alternativa".
"Considero justo que o PT me aponte como candidato ao Senado. Por
uma questão de respeito à minha contribuição para o PT desde a fundação
e também por ter sido eleito por votações cada vez maiores para o
Senado, em 1990 com 4 229 706 milhões de votos, 30%; em 1998 com
6718463,43,07%; em 2006, com 8986803 votos, 47,82%".
"Poderemos fazer uma prévia aberta a todos os filiados e eleitores
interessados em participar como mais e mais se faz em todos os países
democráticos. Lembro que José Dirceu certa vez defendeu que nossas
prévias deveriam ser abertas a todos os eleitores".
"Há apenas uma hipótese de eu abrir mão de disputar o Senado em
2014: caso você queira disputar. Por respeito aos seus oito anos como
Presidente da República, por já ter disputado uma prévia com você em
2002 e você ter ganho por larga margem".
"Sempre observei que você acompanhou com grande interesse tudo o que
se passa ali, pois sempre comentou conosco que costumava assistir à TV
Senado. Acredito que considere algo positivo tornar-se Senador".
"Eduardo Matarazzo Suplicy"
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