terça-feira, 28 de maio de 2013

Um empresário que fez seu tempo - Ivo Ribeiro

Valor Econômico - 28/05/2013


Um homem obcecado pelo trabalho, simples nos costumes, cercado de forte admiração popular. Respeitado nos meios empresariais e entre os políticos, Antônio Ermírio de Moraes era constantemente assediado pela mídia, pois não tinha travas na língua ao expressar seus pensamentos e convicções. Esse extrato está no perfil traçado pelo amigo José Pastore, muito mais o relato de uma convivência de 35 anos do que uma biografia. A aproximação, que se transformou em grande amizade, começou em 1979, nos bastidores do Ministério do Trabalho, em Brasília.

A convivência se estreitou e tornou-se quase diária. "O trabalho, para ele, era quase uma religião e estava sempre mais preocupado em fazer mais para o Brasil do que para si próprio", diz Pastore. Antônio Ermírio criticava o governo, mas, acima de tudo, era um otimista com o futuro do Brasil, apesar dos vários momentos em que, por razões econômicas ou políticas, os negócios de seu grupo e toda a indústria passaram por dificuldades. Era preocupado com as causas sociais. No teatro, como autor, buscou um caminho alternativo para expressar sua visão de temas críticos da vida nacional. Como representante de um dos maiores conglomerados industriais e empresariais do país, sua voz tinha ressonância nos meios políticos e entre seus pares. O grupoVotorantim chegou a ter mais de 90 empresas e a empregar cerca de 60 mil pessoas.

Pastore, professor da Faculdade de Economia e Administração da USP, especializado na área de relações do trabalho e recursos humanos, reuniu nos últimos três anos tudo que observou de Antônio Ermírio no dia a dia da longa convivência, nas conversas que mantinham, nas entrevistas que concedeu aos jornais, revistas, rádio e TV e nos seus arquivos pessoais e da família. Desse rico material surgiu o livro agora publicado. A data escolhida para o lançamento, 4 de junho, não foi casual. É quando Antônio Ermírio vai completar 85 anos de vida. "É a melhor forma de homenagem e um presente ao meu amigo", diz Pastore.

O envolvimento do jovem Antônio Ermírio com o trabalho na empresa começou aos 21 anos, na volta dos Estados Unidos ao Brasil. Lá obtivera o diploma de engenheiro metalúrgico na Escola de Minas do Colorado. O pai, José Ermírio de Moraes, o chamou e informou que, durante um ano, iria trabalhar sem salário na Votorantim, para comprovar se teria competência para assumir parte dos negócios. Iniciou-se, naquele momento, um longo período de 60 anos anos dedicados integralmente ao grupo. Antônio Ermírio só parou na passagem de 2007 para 2008, impedido por problemas de saúde que começaram a aparecer em 1998 e foram se agravando. A combinação de hidrocefalia e mal de Alzheimer, detectada em 2006, já não permitia que trabalhasse.

O livro de Pastore retrata a trajetória de vida do empresário, com riqueza de detalhes profissionais e do seu modo de ser - que lhe trouxe também desilusões, na cena empresarial e também na política, com iniciativas em que se aventurou para nunca mais voltar. Lembrava o que o pai lhe dissera um dia: "Filho, jamais entre na política. Só tive decepções". José Ermirio de Moraes fora senador por Pernambuco e ministro da Agricultura por alguns meses, em 1963.

O livro começa com a infância da Antônio Ermírio na cidade de São Paulo e passa por sua formação profissional e intelectual. Mostra sua intensa participação na vida econômica do país, a fracassada aventura na vida partidária, como candidato a governador do Estado de São Paulo, a incursão na dramaturgia, ao escrever três peças teatrais, e a presença em obras sociais - o hospital da Beneficência Portuguesa, em São Paulo, do qual cuidava com esmero de gestor muito atento, como se fosse uma das suas empresas, era quase sua segunda casa. A primeira, no escritório do grupo Votorantim, onde chegava religiosamente entre 7 horas e 7h30 e saía já noite adentro. E muitas vezes aos sábados.

Antônio Ermírio conduziu o grupo com mãos de ferro, ao lado do irmão José Ermírio de Moraes Filho, dois anos mais velho. E a própria família. Rigoroso, fez quatro dos cinco filhos homens, de uma prole de nove, cursarem a mesma Faculdade de Minas do Colorado, nos Estados Unidos, por onde passou, e levou todos a trabalhar desde cedo nas empresas do grupo. "Tinha horror à ideia de que crescessem e se acostumassem ao luxo e à vida mansa", relata Pastore.

Algumas coisas o decepcionaram profundamente. Por exemplo, a disputa pelo cargo de governador paulista, em 1986, quando perdeu a eleição praticamente ganha para Orestes Quércia (PMDB). Isso lhe deixou amargas lembranças do meio político e da prática de conchavos, que não condiziam com sua retidão e caráter. Devia ter o seguido o conselho do pai, costumava dizer.

Outro caso foi a acirrada batalha da privatização da então Vale do Rio Doce (hoje Vale), em 1997, da qual saiu como perdedor para um consórcio comandado pelo quase desconhecido e jovem empresário Benjamin Steinbruch, que tinha vindo do setor têxtil e ganhara a siderúrgica CSN poucos anos antes. Foi uma derrota que o entristeceu. A Vale era uma empresa que tinha muitos dos seus negócios similares aos do grupo Votorantim, principalmente em mineração e metais.

Outra coisa, confirma Pastore, que o deixava por demais incomodado: o fato de o grupo ter criado um banco, inicialmente convencido que seria só para aplicar recursos próprios e que, ao longo dos anos, veio a representar 30% dos negócios. Antônio Ermírio era um fervoroso crítico dos bancos. Dizia que praticavam juros exorbitantes, sufocando as empresas e ganhando dinheiro fácil na ciranda financeira, enquanto a indústria sofria com a inflação alta e outros problemas. Certa vez, afirmou, em uma entrevista: "É isso mesmo, o Brasil só tem dois partidos: os banqueiros e o resto".

Pastore registra que, até 1986, teve contatos esporádicos com Antônio Ermírio. A amizade se aprofundou quando foi convidado a organizar um plano de governo para São Paulo, dentro da campanha ao governo do Estado. "Ele entrou muito animado e foi assim até o fim, apesar do bombardeio dos adversários, o que o deixou muito sentido. Atingiu a conduta ética dele". Pastore colaborou também com o amigo na elaboração dos cerca de 900 artigos semanais, aos domingos, que escreveu para a "Folha de São Paulo" durante 17 anos.

"Ele era muito fissurado por temas sociais e queria dados profundos. Por isso, tinha de pesquisar muito, inclusive em áreas que não eram de minha seara, como as de energia e meio ambiente", diz. Seu apreço era por questões que lhe pareciam prioritárias e mal cuidadas, como produtividade, qualificação de mão de obra, competitividade, e outras, de cunho social, nas quais encontrava oportunidade para opinar sobre drogas, jogo, criminalidade e prostituição, sempre com palavras fortes.

Isso incomodava muita gente, na economia e na política. Suas análises ressoavam entre os políticos, influenciando-os nos debates. Levaram o falecido Antônio Carlos Magalhães a pedir que parasse de "pautar" o Congresso Nacional, quando o político baiano era presidente do Senado.

O Brasil e muitos desses assuntos forneceram a matéria-prima de suas peças teatrais - "Brasil S.A." (1995), "SOS Brasil" (1999) e "Acorda, Brasil" (2002) - dirigidas e encenadas por grandes nomes do teatro. Não se considerava um dramaturgo. Mas, diz Pastore, a atividade autoral fez com que Antônio Ermírio se tornasse uma pessoa menos fechada e carrancuda. Ficou mais alegre e aberto a brincadeiras.

Segundo Pastore, desde o início de 2008 o empresário não tomou mais ciência das atividades do grupo que ajudou a crescer e a se tornar um dos mais importantes do Brasil. Diz que Antônio Ermírio não fez menções a ele sobre os problemas financeiros que o grupo passou a enfrentar a partir da crise global de setembro de 2008. Foi preciso vender, nos anos seguintes, alguns ativos e metade do seu banco ao Banco do Brasil, para se reequilibrar.

Pastore afirma que o que agravou a saúde de Antônio Ermírio foi a morte de dois filhos, Mário e Carlos Ermírio, o primeiro em agosto de 2009 e o segundo dois anos depois. Ambos, de câncer. "Ele se abateu demais com essas duas perdas."

"Antônio Ermírio de Moraes - Memórias de um Diário Confidencial"
José Pastore. Editora: Planeta. 360 págs., R$ 39,90

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