quarta-feira, 19 de junho de 2013

Editoriais 19/06/2013

O Globo 

Corrupção é o foco

 Mesmo que as reivindicações sejam várias e muitos cartazes exibam anseios mal explicados ou utopias inalcançáveis, há um ponto comum nessas manifestações dos últimos dias: a luta contra a corrupção. A vontade de que o dinheiro público seja gasto com transparência e que as prioridades dos governos sejam questões que afetam o dia a dia do cidadão, como saúde, educação, transportes, está revelada em cada palavra de ordem, até mesmo nas que parecem nada ter a ver com o fulcro das reivindicações, como no protesto contra a PEC 37.

Nele está contido o receio da sociedade de que, com o Ministério Público impedido de investigar, o combate à corrupção seja prejudicado. Todas as questões giram em torno do dinheiro público gasto sem controle, como nos estádios da Copa do Mundo, todos com acusações de superfaturamento. O dinheiro que sobra para construção de "elefantes brancos" falta na construção de hospitais ou sistemas de transportes que realmente facilitem a vida do cidadão.

O mundo político está de cabeça para baixo tentando digerir as mensagens que chegam da voz rouca das ruas, como dizia Ulysses Guimarães, que dizia também que "a única coisa que mete medo em político é o povo na rua". Ninguém entende, por exemplo, por que houve esse verdadeiro estouro da boiada agora, e não há um mês ou mesmo há um ano.

Tenho um palpite: assim como as manifestações na Tunísia, as primeiras da Primavera Árabe, começaram com o suicídio de Mohamed Bouazizi, de 26 anos, vendedor ambulante que ateou fogo ao corpo depois de proibido de trabalhar nas ruas por não ter documentos nem dinheiro para pagar propinas aos fiscais, as manifestações aqui foram grandemente impulsionadas pela reação violenta da polícia em SP semana passada.

O movimento contra o aumento das passagens de ônibus poderia não ter a amplitude que ganhou se não houvesse uma reação nas redes sociais à atitude da polícia, como se todos sentissem a opressão do Estado na sua pele, e de repente liberassem os diversos pleitos que estavam latentes na sociedade.
Creio que foi a partir do entendimento de que uma reivindicação justa como a da redução das tarifas de ônibus estava sendo tratada simplesmente como um pretexto para arruaças e vandalismos que a sociedade passou a se mobilizar para ampliar suas reivindicações.

Isso nada tem a ver com comparações entre as mobilizações que ganham as principais cidades do país e a Primavera Árabe, pois estamos em uma democracia e não se trata de derrubar governos, mas de mudar a maneira de geri-los, política e administrativamente. E também não é possível considerar que os abusos de um dia impedem as polícias de reprimir a parte radicalizada das manifestações, que vandaliza cidades ou tenta invadir prédios públicos ou residências das autoridades.

Creio mesmo que no Rio e em São Paulo as autoridades ficaram paralisadas diante da violência de parte dos manifestantes e não agiram com o rigor devido nessas ocasiões. O que demonstra falta de bom senso. Um detalhe que define bem a divisão desses movimentos foi o grupo de jovens que foi ao Centro do Rio ontem tentar limpar e consertar em parte o que os vândalos fizeram no dia anterior. E em São Paulo, em frente ao Palácio dos Bandeirantes, enquanto um grupo tentava derrubar o portão de entrada, outros o recolocavam no lugar.

O ambiente econômico também deve ter contribuído para quebrar aquela falsa sensação de bem-estar. E é impressionante que o imenso aparato de informações de que cada governo dispõe, especialmente a Presidência da República, e as pesquisas de opinião não detectaram a indignação que explodiu nas ruas.
O dono de um desses institutos de opinião que vende seus serviços para o PT, e acrescenta a eles, como um bônus, comentários em revistas chapas-brancas, chegou a ironizar as oposições e analistas que criticavam o governo, afirmando que viviam em uma realidade paralela, que nada tinha a ver com a vida do cidadão comum, que estava muito satisfeito. Segundo ele, não havia sinal de mudança de ventos que suas pesquisas pudessem captar.

Também o ministro Gilberto Carvalho, da Secretaria Geral da Presidência, que anunciou que "o bicho vai pegar", parece estar atordoado com o bicho novo que está pegando sem que ele ou o PT dominem a situação.

 O Globo 


Decifrar as mensagens da rua

 

Aestimativa de que cerca de 240 mil pessoas estavam nas ruas, no início da noite de terça-feira, em 11 capitais, para protestar já é algo significativo. Mais do que isso, são as imagens e o sentido do que aconteceu anteontem neste país que colocam a data de 17 de junho de 2013 no calendário dos grandes acontecimentos políticos e sociais dos últimos 28 anos, desde o início da redemocratização, em 1985, com a posse de José Sarney na Presidência.

As cenas de violência e vandalismo - ocorridas principalmente no Rio, na tentativa de invasão da Assembleia Legislativa, e na não menos criminosa depredação de bancos e estabelecimentos comerciais na área, além da pichação do Paço, patrimônio nacional - não conseguem reduzir o peso das mensagens que as ruas têm transmitido nestes últimos dias a governos, políticos e partidos da situação e da oposição.
A partir da descontrolada ação da PM paulista, na quinta-feira da semana passada, o movimento pelo "passe livre" no transporte público, deflagrado com o último aumento de tarifas, recebeu maciças adesões em escala nacional e passou a ganhar outra dimensão.

Não que a chamada (i)mobilidade urbana já não criasse imensas dificuldades para as pessoas, principalmente as de renda mais baixa, a grande maioria. E não só em função do custo, mas pelo crescente sacrifício físico que milhões de pessoas passam diariamente nas capitais brasileiras para se locomover. É que o movimento, deflagrado e organizado por meio das redes sociais, tem a questão do transporte público apenas como uma chave que destampa e coloca nas ruas a insatisfação acumulada nos últimos anos com uma sucessão de distorções. É a tal sensação difusa de desconforto com "tudo isso que está aí", amplificada pela volta da inflação.

A mobilização política ressurge no Brasil de um movimento subterrâneo, surdo, invisível, mas bastante ativo, a partir da rede mundial de computadores. O fenômeno não é novo, acontece em escala planetária. Mas há peculiaridades regionais. Onde existe liberdade, redes sociais facilitam a organização de grupos na defesa de pautas específicas. Em ditaduras, ajudam a driblar censores, a repressão política.

No Brasil, país democrático, vivia-se um longo período de inércia política. A situação, confortável no poder, e a oposição, também passiva, incapaz de metabolizar a fermentação das insatisfações que há tempos trafegam nas redes. As ruas acabam de atropelar ambas - má notícia para a democracia representativa, ruim para a estabilidade institucional.

É míope a tentativa de capitalização político-eleitoral desta espécie de erupção vulcânica. A questão é tão mais ampla quanto profunda. Devem ser entendidos por suas excelências do Executivo e do Legislativo gestos de manifestantes contra cartazes e bandeiras de partidos nas passeatas, mesmo os identificados com a extrema-esquerda. O representante da juventude do PT em Brasília foi escorraçado na tentativa de participar do comando da manifestação à frente do Congresso.

Toda esta mobilização conseguiu atravessar fronteiras geracionais, etárias e sociais. Pode ser que lá na origem de tudo tenham atuado grupos politizados, sem identificação com o estado de coisas na política brasileira. Não importa. Quando casais com filhos pequenos vão às ruas, ao lado de idosos, gente de toda idade, é porque apareceu algo novo no radar da sociedade. Maurício Matheus, a mulher, Thaís, com o filho João, de um ano e meio, foram entrevistados pelo GLOBO, em São Paulo. Preso ao macacão de João, o cartaz: "Não é por 0,20, é por direitos". Explicou o pai: "É um grito de socorro, precisamos de união e força para vetar os abusos ao povo." E existem diversas formas de abusos. No desprezo de políticos e governantes pela ética, por exemplo.

Se era urgente, diante do ronco das ruas tornou-se emergencial retomar a reforma da moralização do degradado quadro político-partidário. A Lei da Ficha Limpa foi vitória histórica, conquistada por grande mobilização, também pela internet, em torno de um projeto de origem popular. A vigilância continua necessária, agora para a sua aplicação correta.

É hora de voltar a atacar a pulverização partidária. Por erro técnico de encaminhamento - não pode ser por projeto de lei simples, mas emenda constitucional -, o Supremo rejeitou cláusula de barreira a legendas de rarefeito apoio entre os eleitores, mecanismo usado em democracias maduras. A fórmula elaborada é boa, basta resgatá-la das gavetas: para ter representação no Congresso, toda legenda necessita de, no mínimo, 5% dos votos nacionais e 2% em pelo menos nove estados.

Acabada a pulverização partidária, facilita-se a formação de alianças e reduz-se a margem para o uso de meios espúrios para a obtenção de maiorias. Um antídoto contra mensalões. Outra medida, também disponível nos escaninhos do Congresso - basta vontade política para resgatá-la -, é o fim da coligação em eleições proporcionais, pela qual o eleitor pode ser vítima de uma fraude, por ter o voto contabilizado para quem ele não conhece e em quem talvez não votasse. A conjugação dessas duas reformas ajudará a restabelecer uma seriedade mínima no jogo partidário. Se vigorassem há algum tempo, o político não teria sido transformado no Judas predileto de manifestantes.

O ministro Gilberto Carvalho, da Secretaria-Geral da Presidência, setorista de "movimentos sociais", confessou, na manhã de ontem, ainda não compreender o que acontece. Foi honesto. Seu mundo é o das organizações formais, em que há líderes visíveis, conversáveis e cooptáveis. A presidente Dilma Rousseff, ex-militante, presa política, não poderia ter outra reação: o governo "está ouvindo essas vozes pela mudança". E, entre as vozes, a presidente identificou o "repúdio à corrupção e ao uso indevido do dinheiro público". Parece na pista certa a presidente.

Ao se investir contra a Copa das Confederações, ensaio para a Copa do Mundo, no ano que vem, com suas amplas e modernas "arenas", critica-se a incapacidade de o governo federal colocar os bilhões que arrecada de um contribuinte cada vez mais sobrecarregado de impostos naquilo que atenda às necessidades diretas da população: educação, saúde, transporte urbano, segurança.

Em vez disso, o poder público não para de ampliar os gastos em custeio, sem privilegiar os investimentos. E, quando investe, escolhe, por exemplo, projetos faraônicos como o do trem-bala entre Rio e São Paulo, dinheiro que poderia vir a ser aplicado na malha de transporte sobre trilhos nas grandes regiões metropolitanas, para promover de fato a mobilidade urbana.

As mensagens são várias. A torcida é para que os políticos, no poder e fora dele, as decifrem de maneira correta. A estabilidade institucional, em alguma medida, dependerá disso.

Correio Braziliense

Visão do Correio :: Manifestação sem vandalismo

 

O Brasil voltou a sentir orgulho de sua juventude que, desmentindo todas as suposições e até estudos profundos de especialistas, foram às ruas protestar, primeiro contra o aumento das tarifas de ônibus em São Paulo, depois pela péssima qualidade do transporte público. Em seguida, engrossaram o movimento com mais gente e mais bandeiras de insatisfação, lotando ruas, avenidas e praças nas principais cidades brasileiras.

Muita coisa que vinha povoando o desgosto das pessoas nos últimos anos entrou na lista, como as humilhantes filas do serviço de saúde, a cachoeira de denúncias de corrupção, as macabras estatísticas de mortos e feridos nas rodovia precárias, tudo sob a alegação da escassez de verbas, apesar dos gastos exorbitantes com a construção a toque de caixa de monumentais estádios, mesmo em cidades em que os melhores times não alcançam as divisões de elite do futebol brasileiro.

Melhor ainda foi constatar que os cerca de 250 mil que foram às ruas, a maioria jovens, não foram recrutados por partido algum. Pelo contrário, repeliram as toscas tentativas de agremiações políticas que tentaram pegar carona na energia contagiante dos manifestantes que fizeram da quinta-feira uma dia inesquecível. “Desculpem o transtorno. Estamos mudando o Brasil”, dizia uma das faixas levadas por jovens que demonstravam saber que faziam algo para ficar marcado na história de cada um e de todo o país.

Os protestos, face às vezes incômoda, mas sempre saudável da democracia, foram claramente mobilizados pelas redes sociais da internet com o propósito de chamar a atenção das autoridades, todas elas, e dos políticos para o esgotamento da paciência da cidadania em relação à falta de soluções para velhas questões. São problemas revoltantes, mas nem por isso os manifestantes pretendiam tirar sua mobilização da condição de protesto pacífico, até porque essa é uma das condições que o tornam respeitável.

Mas foi aí que apareceram os vândalos, os baderneiros, os incivilizados, sempre prontos a manchar com a sua estupidez tudo que a boa-fé produz. São eles que provocam a reação violenta — nem sempre justificável — dos policiais chamados a guardar bens públicos, bem como a garantir o mínimo de segurança e mobilidade para os cidadãos não envolvidos nas manifestações. Em Brasília, tentaram levar sua fúria destruidora para o espaço interno do Congresso. No Rio de Janeiro, agiram como um bando de selvagens descontrolados ao violarem e depredarem parte do histórico prédio da Assembleia Legislativa, causando ao povo prejuízo calculado em R$ 2 milhões. Em Belo Horizonte, apedrejaram lojas na Região da Pampulha e, em Porto Alegre, incendiaram um ônibus. Ontem, em São Paulo, voltaram a aprontar em frente à prefeitura da cidade.

É certo que são minoria e não devem ser confundidos com o grosso dos manifestantes. Mas nem por isso podem ficar impunes. Precisam ser identificados, punidos e levados à execração pública, não apenas pelos danos ao patrimônio alheio, mas também por terem atirado contra a democracia.

 O ESTADO DE S. PAULO

 VONTADE DE FALAR 

 Das dezenas de frases de participantes e entusiastas das manifestações da segunda-feira em 12 capitais brasileiras, citadas pela imprensa para dar uma ideia do espírito dos protestos, provavelmente a mais expressiva tenha sido a da ex-voleibolista Ana Beatriz Moser. "O importante é esse coro, essa vontade de falar. Os governantes têm de ouvir."

Em um País onde a última vez em que centenas de milhares de pessoas saíram de casa para se fazer ouvir pelos governantes foi em 1992, com o coro "Fora Collor", não é fácil de explicar a presumível acomodação da juventude, em contraste com o histórico de proliferação de atos públicos de massa no exterior (contra alvos diversos como a globalização, os transgênicos, a invasão do Iraque, o poder de Wall Street, as políticas recessivas na Europa, as tiranias árabes e, agora, o autoritarismo do governo livremente eleito na Turquia).


Pode-se argumentar que, desde o Plano Real no governo Itamar Franco, que assumiu no lugar de Collor, o Brasil amealhou mais notícias boas do que más - embora não raras entre essas tenham se tornado péssimas, a exemplo da criminalidade. O ciclo virtuoso de 18 anos - das administrações Fernando Henrique e Lula à primeira metade do mandato da presidente Dilma Rousseff - promoveu o crescimento e generalizados aumentos de renda real, principalmente entre os mais pobres. O consumo explodiu e só não atordoou os grupos engajados nas causas chamadas "pós-materialistas", como a defesa do meio ambiente, a proteção das comunidades indígenas, os direitos dos negros, mulheres e minorias sexuais. É tentador, mas arriscado, estabelecer uma relação direta e exclusiva entre a volta da inflação e os pibinhos, de um lado, e a eclosão do descontentamento, de outro. Mas seria míope negar qualquer nexo entre a economia em baixa e a insatisfação em alta.


De fato, foi o aumento das passagens de ônibus em São Paulo, na esteira dos de Porto Alegre e outras cidades, que fez o trânsito parar de vez. Na capital paulista, a brutalidade policial que se seguiu aos atos de vandalismo registrados na primeira passeata, no começo da semana passada, acirrou a indignação, deu nova motivação para a ida às ruas e remeteu a segundo plano (mas sem eliminar) as reclamações contra o preço dos bilhetes.


Esse é o dado crucial da onda de protestos que juntou anteontem mais de 230 mil pessoas do Pará ao Rio Grande do Sul - só no Rio foram cerca de 100 mil, com a Avenida Rio Branco tomada por compacta multidão fazendo lembrar as marchas pelas Diretas Já em 1984.


Deu uma vontade de falar que não se sabe como, quando ou se será aplacada: contra os padecimentos que o Estado impõe ao povo com os seus serviços de terceira e indiferença de primeira, a começar da saúde e educação públicas; contra os políticos e autoridades em geral que so cuidam dos seus interesses e são tidos como corruptos por definição; contra a selvageria do cotidiano por toda parte; contra a truculência das PMs; contra a lambança dos gastos com a Copa, que pegou de surpresa a cartolagem e seus parceiros no governo federal - e tudo o mais que se queira denunciar. Afinal, os jovens não se sentem representados por nenhuma instituição e desconfiam de todas. Tampouco a imprensa lhes merece crédito.


Consideram-se mais bem informados pelos seus pares das redes sociais do que pela mídia. É também na internet que . encontram argumentos para as suas críticas, colhem e se prestam solidariedade, cimentando a coesão grupal.


Entre a quarta-feira passada e a noite da última segunda, 79 milhões de mensagens sobre as marchas foram trocadas pelos internautas. O senso de autocongratulação - "a juventude acordou" - e a natureza difusa de suas queixas combinam-se para dificultar a discussão de pautas específicas de mudança em eventuais encontros com agentes públicos. Como se diz, faz parte: o protesto precede à proposta. O lado bom das jornadas dos últimos dias, além do caráter em geral pacífico das manifestações, foi a preocupação com o País. "Parem de falar que é pela passagem", comentou um jovem. "É por um Brasil melhor."



VALOR ECONÔMICO

 DIFUSAS INSATISFAÇÕES TOMAM AS RUAS DO PAÍS

 A juventude brasileira está em pé de guerra e avisou isso claramente aos governantes nas passeatas que reuniram centenas de milhares de pessoas em 11 capitais. O sistema de transporte público e seus preços foram os alvos imediatos das manifestações, que ganharam impulso a partir de São Paulo, mas são um símbolo dos péssimos serviços oferecidos pelas três esferas de governo em outras áreas vitais para o bem-estar dos cidadãos - saúde, educação, e segurança, por exemplo.

Outros simbolismos desfilaram pelas ruas das capitais na segunda-feira. A relativa espontaneidade do movimento e seu comando refratário a partidos indicam, no mínimo, uma primeira condenação implícita dos objetivos, ações e resultados das legendas que governam o país. O PT, o partido que saiu das ruas no passado, foi deixado de lado e a reação do governo, ora de estupefação, ora de indignação, deixa no ar a possibilidade de o auge do partido ter ficado para trás. Símbolos também, estudantes e jovens catalisam, mais uma vez na história, insatisfações disseminadas por vastas camadas sociais.


Há dois momentos do movimento que desaguou com força nas capitais e a distinção é importante. O Movimento do Passe Livre paulistano sempre protestou toda vez que as passagens aumentaram, mas a adesão a seus protestos era pequena, e os resultados, nulos. Sua insistência, após várias derrotas, e seu propósito simples e claro, o qualificou como um dos poucos canais de protesto em potencial de reivindicações que interessam à maioria do público urbano e diferentes categorias profissionais. Embora este ano houvesse mais pessoas nos primeiros atos contra o aumento das passagens, o movimento não tinha ultrapassado ainda o estágio de uma minoria barulhenta, incapaz de controlar, como é frequente, a violência de setores que o apoiam.


Até que - o segundo momento - uma passeata inicialmente pacífica no dia 13 de junho foi dissolvida com requintes de crueldade e selvageria pela polícia do governo paulista, a quem cabe a responsabilidade pela agressão a um direito democrático. Não houve dúvidas de que a polícia atacou primeiro e estava ali para expulsar brutalmente cidadãos que protestavam.


A partir daí, diante de cidadãos atônitos e revoltados com a atitude da polícia paulista, a adesão ao movimento cresceu exponencialmente porque uma outra questão, mais importante que o preço da passagem de ônibus, estava em jogo - a da liberdade de reunião e manifestação. Os brasileiros se tornaram ciosos dela desde quando forçaram, igualmente nas ruas, a queda da ditadura militar. A causa do Passe Livre ganhou a simpatia popular e intergeracional que até então não havia conseguido.


Para as manifestações de segunda-feira, primeiro movimento de grandes massas convocado pelas redes sociais, confluíram por gravidade todas as demandas sociais a que os governos deveriam atender e para as quais mostram, ano após ano, partido após partido, uma inépcia desconcertante. Não por acaso, as manifestações ocorridas em São Paulo (pelo menos 65 mil pessoas), no Rio (100 mil) e em Brasília (mais de 10 mil) buscaram o Legislativo - o Congresso Nacional e a Assembleia Legislativa do Rio. Os protestos apontaram também a responsabilidade pelo estado atual das coisas dos políticos, cuja omissão, no caso dos Legislativos estaduais e municipais, tornou-se uma lamentável tradição.


O PT, o único partido de massas do país, fica mal na história após o 17 de junho. Ainda que não tenha sido diretamente rechaçado, a rapidez com que se metamorfoseou em um partido como os outros, interessado no poder e suas benesses, e a facilidade com que jogou fora sua ideologia para formar bases de apoio governistas com o que de pior há na política brasileira, fizeram com que fosse olhado com desconfiança por alguns movimentos sociais que antes tinham com ele afinidades eletivas.


Movimentos difusos como o capitaneado pelo Passe Livre podem obter vitórias em suas reivindicações, para depois sumirem do mapa político. Mesmo que haja muito deslumbramento com o poder das redes sociais, a política continua sendo uma velha senhora rabugenta. Ou surgem novos líderes que aceitem conviver com ela, ou os movimentos exercerão pressão de fora, com mobilizações pontuais e pressão permanente das ruas - uma novidade por aqui. A terceira via possível é o desânimo.


 ESTADO DE MINAS

 MANIFESTAÇÃO SEM VÂNDALOS

 Protestos que lotam as ruas não podem ser manchados pela minoria

O Brasil voltou a sentir orgulho de sua juventude que, desmentindo todas as suposições e até estudos profundos de especialistas, foi às ruas protestar, primeiro contra o aumento das tarifas de ônibus em São Paulo, depois pela péssima qualidade do transporte público. Em seguida, engrossou o movimento com mais gente e mais bandeiras de insatisfação, lotando ruas, avenidas e praças nas principais cidades brasileiras. Muita coisa que vinha povoando o desgosto das pessoas nos últimos anos entrou na lista, como as humilhantes filas do serviço de saúde, a cachoeira de denúncias de corrupção, as macabras estatísticas de mortos e feridos nas rodovias precárias, tudo sob a alegação da escassez de verbas, apesar dos gastos exorbitantes com a construção a toque de caixa de monumentais estádios, mesmo em cidades em que os melhores times não alcançam as divisões de elite do futebol brasileiro.


Melhor ainda foi constatar que os cerca de 250 mil que foram às ruas, a maioria jovens, não foram recrutados por partido algum. Pelo contrário, repeliram as toscas tentativas de agremiações políticas que tentaram pegar carona na energia contagiante dos manifestantes que fizeram da segunda-feira um dia inesquecível. "Desculpem o transtorno. Estamos mudando o Brasil", dizia uma das faixas levadas por jovens que demonstravam saber que faziam algo para ficar marcado na história de cada um e de todo o país. Os protestos, face às vezes incômoda, mas sempre saudável da democracia, foram claramente mobilizados pelas redes sociais da internet com o propósito de chamar a atenção das autoridades, todas elas, e dos políticos para o esgotamento da paciência da cidadania em relação à falta de soluções para velhas questões. São problemas revoltantes, mas nem por isso os manifestantes pretendiam tirar sua mobilização da condição de protesto pacífico, até porque essa é uma das condições que o tornam respeitável.


Mas foi aí que apareceram os vândalos, os baderneiros, os incivilizados, sempre prontos a manchar com a sua estupidez tudo que a boa-fé produz. São eles que provocam a reação violenta – nem sempre justificável – dos policiais chamados a guardar bens públicos, bem como a garantir o mínimo de segurança e mobilidade para os cidadãos não envolvidos nas manifestações. Em Brasília, tentaram levar sua fúria destruidora para o espaço interno do Congresso. No Rio de Janeiro, agiram como um bando de selvagens descontrolados ao violarem e depredarem parte do histórico prédio da Assembleia Legislativa, causando ao povo prejuízo calculado em R$ 2 milhões, além de invadirem e roubarem comida de um restaurante, com dano de valor inestimável à imagem da Cidade Maravilhosa. Em Belo Horizonte, apedrejaram lojas na Região da Pampulha, e em Porto Alegre, incendiaram um ônibus. Ontem, em São Paulo, voltaram a aprontar em frente à prefeitura.
É certo que eles são minoria e não devem ser confundidos com o grosso dos manifestantes. Mas nem por isso podem ficar impunes. Precisam ser identificados, punidos e levados à execração pública, não apenas pelos danos ao patrimônio alheio, mas também por terem atirado contra a democracia.


 GAZETA DO POVO (PR)

 BRASILEIROS NAS RUAS

 Na segunda-feira, os cidadãos rejeitaram as tentativas de direcionar ou monopolizar a pauta das manifestações, e sentiram-se livres para mostrar seu descontentamento com as mais diversas situações

Nunca o bordão “contra tudo isso que está aí” foi tão verdadeiro quanto nas manifestações que tomaram o Brasil na noite de segunda-feira, e se repetiram ontem em algumas cidades. O movimento que começou na semana anterior, motivado por aumentos na tarifa do transporte público em várias capitais e marcado por atos de vandalismo, sofreu uma metamorfose: dezenas de milhares de brasileiros protestaram pacificamente e apresentaram reivindicações as mais variadas possíveis – de temas locais (em Curitiba, por exemplo, a falta de táxis estava entre os temas observados nos cartazes) aos grandes assuntos nacionais, como a corrupção e a PEC 37, que deve ser votada até o fim do mês e que retira o poder de investigação do Ministério Público.
É verdade que ainda tem havido casos inaceitáveis de vandalismo, especialmente no Rio de Janeiro, onde a Assembleia Legislativa e prédios no entorno foram atacados anteontem; e em São Paulo, ontem, com depredação no prédio da Prefeitura e um carro de reportagem incendiado. Mas essas foram exceções; o tom das manifestações de segunda-feira foi pacífico a ponto de muitos pais terem levado até as crianças para presenciar um momento incomum da história brasileira, e os exemplos positivos, como o silêncio dos manifestantes curitibanos ao passar diante da Santa Casa, são os que merecem divulgação. O poder público também percebeu que não pode agir com violência contra as passeatas. A lição foi especialmente aprendida em São Paulo, depois das cenas de excesso policial da quinta-feira passada.


Em várias ocasiões, a Gazeta do Povo louvou o exemplo de nossos vizinhos argentinos, que não hesitam em tomar as ruas para protestar contra os desmandos de seus governantes. Embora ainda seja cedo para concluir que o brasileiro finalmente venceu a apatia que lhe é atribuída, os protestos revelam que o cidadão tem, sim, uma sede de participação política que vai além do voto a cada dois anos – aliás, é interessante perceber como outro bordão, o “não me representa”, dessa vez dirigido aos partidos políticos como um todo, também foi uma característica marcante das manifestações de anteontem. Ao impedir que as agremiações de esquerda monopolizassem ou direcionassem a pauta dos protestos, os brasileiros puderam mostrar livremente seu descontentamento com uma série de situações.


Mas é justamente nesse caráter difuso do movimento popular que reside uma de suas fraquezas. Se as reivindicações se mantiverem em um nível mais abstrato, a falta de um projeto consistente pode levar a uma ausência de resultados que frustre todos aqueles que tanto se empenharam – trazendo de volta a apatia, dessa vez com muito mais força. Outro risco é o de que radicais e aventureiros se aproveitem do clima de indignação generalizada para propor soluções de cunho inclusive antidemocrático, ou que se apropriem do movimento sem efetivamente representar os anseios da população que vai às ruas. É fácil comparar os protestos brasileiros com a Revolução Francesa nas mídias sociais, como se fez semana passada; difícil é lembrar que a revolta dos franceses do século 18 degringolou até chegar ao Terror.


O que estamos presenciando é uma grande oportunidade de aprendizado para o brasileiro: para que ele procure conhecer as causas e pense em soluções para as situações que o revoltam; para que ele desenvolva seu interesse pela coletividade e abandone o individualismo que tanto mal faz à sociedade; para que ele aprenda a dialogar e entender o ponto de vista de quem pensa diferente. Se a insatisfação crescente do brasileiro for canalizada para boas causas, ela será frutífera. Dissemos acima que a participação política transcende o exercício do voto, mas também as urnas oferecerão uma oportunidade para que a indignação se transforme em ação concreta. Exercer o voto consciente e se mobilizar por uma autêntica reforma político-eleitoral, baseada nos princípios republicanos e não nas conveniências da classe política, são atitudes que não deixarão os protestos nas ruas terminarem no vazio.


 ZERO HORA (RS)

 O RECADO DOS JOVENS 

 A história está repleta de datas que sintetizam espíritos e épocas. Sem esperar pelo veredicto da posteridade, já é possível afirmar que o 17 de Junho é o retrato de um novo Brasil. O país que foi para as ruas protestar na segunda-feira reflete um novo estado de ânimo de uma ampla parcela da população: rejeição à corrupção e ao descaso com a coisa pública, desconfiança de governantes e partidos, indignação com a desproporção entre os gastos com grandes eventos, por um lado, e com saúde, educação e transporte, por outro. O país que tomou praças e avenidas sente os efeitos da alta de preços de alimentos e serviços. A nação que tomou a palavra antevê, para além dos sinais incipientes de turbulência econômica, os percalços de um futuro que parece menos auspicioso do que há alguns anos. Sua voz ergue-se também contra governos, parlamentares, corporações e meios de comunicação. Pode-se saudar ou rejeitar a emergência desse Brasil do 17 de Junho. Mas não se pode ignorá-lo.

É utópico imaginar que dezenas de milhares de pessoas decidam se manifestar por fora dos canais até hoje existentes no interior do Estado de direito, por meio de ida massiva às ruas, sem que isso implique riscos para a segurança e até mesmo distúrbios isolados. É preciso separar a manifestação legítima e democrática da maioria das depredações, incêndios e pichações promovidos por uma ínfima minoria oportunista. Toda sorte de vandalismo pode e deve ser investigada, e os envolvidos, enquadrados criminalmente na forma da lei. O fato de tais atitudes terem prosperado nos primeiros dias do movimento reflete o fato de não haver objetivos, líderes e organização claras.


O mais importante é que a nação seja capaz de retirar ensinamentos dos acontecimentos. Em síntese, os jovens nas ruas estão enviando um recado para toda a sociedade, incluindo governantes, políticos, empresários e imprensa. O sentimento da maioria é, como bem sublinhou a presidente Dilma Rousseff ao citar o cartaz "Desculpem o transtorno, estamos mudando o Brasil", carregado de civismo e boas intenções. É positivo que milhões de pessoas com menos de 30 anos estejam se dispondo a assumir um papel de protagonistas na história. Trata-se de uma geração que jamais viveu períodos de exceção ou de cerceamento de liberdades. Para o bem do país, esse aprendizado deve ocorrer de forma serena. A sociedade tem de saudar e acolher esse verdadeiro despertar jovem, zelando para que fortaleça o Estado democrático de direito. Não resta dúvida de que todos seremos testemunhas dos reflexos concretos do que está acontecendo hoje daqui a pouco mais de um ano, nas eleições presidenciais de 2014. É desejável que a experiência histórica de cada geração se reflita na participação eleitoral por meio do embate entre ideias, programas e concepções.



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