quarta-feira, 19 de junho de 2013

Enigma para todos, sociólogos e políticos - ROSÂNGELA BITTAR

Valor Econômico - 19/06/2013

Diante da eclosão dos atuais movimentos de protesto, com temas difusos e participação de grupos desintegrados - as três tribos densas e extensas da passeata de segunda, em São Paulo, são exemplos de tal configuração-, sabe-se que é menos caso de procurar as ainda inexistentes explicações sociológicas e sim de observar bem os fatos e dar à sociedade as respostas adequadas. Os sociólogos, os psicólogos, os doutores, os filósofos, os partidos políticos, as organizações sindicais, os governos federal, estaduais e municipais estão no mesmo plano: ainda nada entenderam dos acontecimentos pelos quais foram totalmente surpreendidos embora não possam deixar de ser responsabilizados. Os investidores, então, se estrangeiros pior, compreenderam menos ainda. A quantidade de telefonemas trocados para todos os lados é uma tradução dessa perplexidade.

O melhor, no momento, é abandonar as teorias e, da parte dos governos, constatar o que esses movimentos não são para, por aí, lhes dar um retorno aceitável. Não são baderneiros, partidários, ideológicos, venais. São estudantes, seus pais, punks, quilombolas, sem teto, sem terra, adolescentes, funcionários públicos. Não há líderes formais orientando slogans e percursos. Embora possa haver, e há, uma representação de todos esses tipos no meio da massa insatisfeita com as tarifas e qualidade do transporte coletivo, com os gastos públicos excessivos em estádios de futebol, com a cara de pau dos políticos e governantes, com a precária situação dos hospitais e das escolas, com a repressão aos corintianos presos na Bolívia, torcidas organizadas e revoltados com a impunidade, saturados em geral com a corrupção.

O desconhecimento, a falta de informação segura e antecipada - os arapongas e estrategistas do governo andam atrás de potenciais adversários eleitorais, não de perscrutar insatisfações sociais- sobre o caldeirão cuja fervura se avizinhava, levou os governos a reagir de forma reconhecidamente equivocada a essa aglutinação de sentimentos negativos.

Somente a partir da noite de segunda, diante das manifestações amazônicas em doze Estados e oito cidades do interior de São Paulo, os governos começaram a mudar seu discurso. Mas não saíram dele para a ação, ainda.

Quem tem experiência em manifestações do tipo, quem liderou e participou dos movimentos pela anistia e pelas diretas já, os dois maiores da história recente, sabe que a mobilização cresce com a repressão. Mas ninguém percebeu o que acontecia, de fato, e recorreu-se às velhas fórmulas: violência, acusações de exploração eleitoral, manipulação.

O tema do reajuste de passagens alcançou o governador de São Paulo e o prefeito da capital em Paris. Se quem estava aqui não tinha ideia do que se tratava, imagine-se quem estava na França disputando o privilégio de sediar a Expo-2020, uma abstração em si. Governado naquele momento pelo ministro petista e vice-governador tucano Afif Domingos, o Estado se escondeu. Sob o comando de Nádia Campeão, a Prefeitura emudeceu. E o festival de besteiras assolou os titulares em declarações à distância.

Numa das manifestações de uma terça, um grupo mais radical destacou-se da massa pacífica, gerando a revanche da polícia, contra tudo e contra todos, na quinta seguinte. Os policiais bateram muito, numa reação desproporcional, maior, segundo testemunhos de pais que acompanhavam seus filhos, que os embates de 68. Naquela época eram raros os equipamentos como os de hoje: escudo, gás de pimenta, bala de borracha, milhares de homens na repressão dura e violenta. Resultado: cresceu a adesão e aumentaram as inadequações dos governantes.

Gilberto Carvalho e José Eduardo Cardozo, no governo federal, Geraldo Alckmin e Fernando Haddad, em São Paulo, Sérgio Cabral e sua tática avestruzeira, não houve um que acertasse o passo. As manifestações colheram em dois dos principais governos envolvidos, o federal com Dilma Rousseff e o municipal com Fernando Haddad, duas pessoas sem a manha da urgência, do diálogo imediato, da experiência em mediar. Foram candidatos saídos de gabinete e, vencedores, ainda não conquistaram a liderança necessária para aplacar dissabores em massa. Alckmin, que tinha alguma, comeu a bola jogada pelo ministro da Justiça, potencial candidato a seu cargo, acreditou que era uma manifestação ao modelo de politicagem infiltrada e partiu para elogiar a polícia.

Em algumas horas, na noite de segunda-feira, foram todos obrigados a dar voltas nas próprias palavras. Uma das situações mais constrangedoras foi a de Gilberto Carvalho, ministro da Secretaria Geral da Presidência, encarregado de fazer a ponte entre Dilma e os movimentos sociais, doutor na relação com sindicalistas: a polícia identificou três funcionários seus, e mais um de sala contígua, na condução das manifestações de Brasília.

As considerações sobre os acontecimentos foram refluindo, aos policiais ordenou-se discrição, o prefeito tornou-se melífluo, o governador, tangido pelos fatos, dispôs-se ao diálogo, a presidente aproveitou o discurso do lançamento do dia, ontem, para traduzir o que os manifestantes querem: mais cidadania e repúdio à corrupção.

Isso significa que compreenderam, finalmente, o que se passa? Claro que não. Mas tentam dar uma resposta mais adequada a esse mundo desconhecido, sem assumir muito as posições definitivas. Alguns mais experientes em movimentos de massa orientam agora o PT a controlar seus governantes, levá-los a oferecer duas respostas à sociedade: uma é diálogo; outra, explicações. Se não podem reduzir o preço da passagem, expliquem à exaustão. Façam autocrítica, peçam desculpas.

O PT está interessado em encontrar saídas também por uma razão que prescinde de pesquisas de opinião mais amplas para ser identificada. Esse tipo de insatisfação terá reflexos nas eleições. Por isso houve reunião, ontem, do grupo da reeleição, coordenado pelo ex-presidente Lula, com a presença de Dilma, do ministro Aluizio Mercadante, do publicitário João Santana, do presidente do partido, Rui Falcão. Sabem que é numa situação como esta que surge alguém com muita força, correndo por fora, e leva. Embora não tenham, hoje, ainda, essas manifestações, com certeza, terão expressão político-eleitoral.

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