sábado, 16 de novembro de 2013

GOOGLEI - Ana Cristina Reis

O Globo 16/11/2013

Mao Tsé-Tung, Montesquieu, Cervantes e os mitos da sexualidade feminina numa tarde de calor

Tinha Prada, Miu Miu, Vuitton (até da edição
especial da Kusama), Chanel clássica de matelassê
nas cores amarela e vermelha, Saint Laurent
(com o Y dourado bem gritante). “Senti falta
da Hermès”, brincou Fernanda, tentando desanuviar
os ânimos (estávamos na missa
de sétimo dia de Sônia, que foi uma mulher
“dourada”: loura e vibrante) e distrair do calor
indecente que fez na terça-feira.

No altar, o sermão versava sobre a destruição da Biblioteca de
Alexandria, árabes, fogo e césares.
— É isso mesmo? A ordem é essa? — perguntou Renata.
Não deu para ponderar sobre o encadeamento da História
porque em seguida o padre soltou uma frase que nos paralisou:
“O terceiro livro mais lido do mundo é a Bíblia. O primeiro é ‘O
capital’, de Marx; o segundo, ‘Dom Quixote’, de Cervantes”.
Como assim? “Dom Quixote” é o segundo livro mais lido?
Como é que o mundo não está melhor? Ué, a Bíblia não é o
livro mais vendido do mundo? E Paulo Coelho não está na lista?
Que lista é essa?
Nossas cabecinhas fervilhavam incrédulas e em silêncio
quando Lívia sussurrou:
— Googlei. A lista dos livros mais vendidos no mundo é a
seguinte: “Bíblia sagrada”;“O peregrino”, obra de um pastor
batista publicado pela primeira vez na Inglaterra em 1678; “O
livro vermelho”, do comandante Mao Tsé-Tung; o “Alcorão”;
“Dom Quixote”, oba!, olha ele aqui de novo; e “Dicionário
Xinhua Zidian”, que deve ser o “Aurélio” da China.
— Mas, e os mais lidos? Deve ter uma lista também —
provoquei.
— Tem. Os dez livros mais lidos
nos últimos 50 anos. “Bíblia sagrada”,
“O livro vermelho”, “Harry Potter”, “O
senhor dos anéis”, “O alquimista”, “O
código Da Vinci”, a “Saga
Crepúsculo”, “E vento levou”, “Quem
pensa enriquece”...
— De quem?
—Um americano. Foi assessor dos
presidentes Wilson e Roosevelt. Ele
aponta características comuns em
gente como Henry Ford, King Gillette
e John Rockefeller.
— Ah...
— Em décimo lugar, “O Diário de Anne Frank”.
— “O Diário de Anne Frank”? Quem está relendo? — quis
saber Andrea, que chegou na hora dos cumprimentos. Antes
que pudéssemos esclarecer, ela acrescentou: — Fui deixar o
Enzo em casa antes. Enzo, o meu sobrinho destemido. Sabe
qual foi o papo no carro? Ele falou do “Leviatã”, de Hobbes. É
mole? Enzo tem 13 anos. Para não perder a pose, corrigi um
comentário que ele fez sobre Montesquieu.
Abrimos lugar na fila para a Jacqueline.
— Quem tá lendo Montesquieu?
— Ninguém — respondi. — Eu estou lendo “Vagina”, da
Naomi Wolf. Foi ela que escreveu “O mito da beleza”.
— Está gostando?
— É curioso...
— Tem algum ensinamento prático ou é tudo teoria? Queria
saber se faz diferença se a mulher for magra.
— Ainda estou na teoria.
— Teoria...
— Do lótus dourado da filosofia Tao ao sex shop de hoje. De
Freud a Ian McEwan. Mas a autora é fascinada pela ligação do
cérebro com a vagina. Sério! Ela acha que a vagina está
conectada com a criatividade, a confiança e o caráter.
— Então as putas devem estar entre os três tipos mais
interessantes de mulheres.
— Mulher interessante é muito subjetivo. Eu acho a Angelina
Jolie assustadora. Aquelas veias saltadas, aqueles lábios
descomunais... Prefiro a lista dos homens mais interessantes
hoje no Rio.
— Essa lista, querida, não está no Google

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