quarta-feira, 20 de março de 2013

UMA ESTAÇÃO SÓ PARA A ARTE

 O GLOBO - 20/03/2013

Alavancado pela nova lei de TV paga, que prevê mais conteúdo nacional nas transmissões, Grupo Bandeirantes lança hoje um canal, o Arte1, com séries, óperas, balés, filmes e jornalismo cultural

MÁRCIA ABOS
São Paulo
marcia.abos@sp.oglobo.com.br

.Anova lei de TV paga teve papel decisivo na criação do Arte1, novo canal dedicado a artes e cultura do Grupo Bandeirantes, sob a direção de Rogério Gallo. Desde dezembro no ar, em caráter experimental, em algumas operadoras de TV por assinatura, o Arte1 faz hoje sua estreia oficial na grade de pacotes básicos, sem custo adicional, com a marca de 10 milhões de assinantes, número bem acima da previsão inicial de 2 milhões.

A entrada com força no mercado deve-se ao perfil do canal, classificado pela Agência Nacional do Cinema (Ancine) como espaço de conteúdo nacional qualificado. Essa classificação impulsionou as operadoras a inclui-lo nos pacotes básicos de assinatura para cumprir a exigência da nova lei de um canal brasileiro para cada seis estrangeiros na grade.

ACERVO DA VIDEOFILMES

Gallo conta que o projeto tem mais de dois anos, mas a estreia do canal foi adiada para se adequar à lei da TV paga. — Adaptamos o projeto para tornar o Arte1 um canal brasileiro de espaço qualificado, com mais da metade da programação do horário nobre com conteúdo nacional, metade produzido pelo próprio canal e a outra metade, de coproduções — explica Gallo, admitindo que a adaptação aumentou os custos do negócio, mas foi também uma oportunidade. — A nova lei encareceu o conteúdo nacional, por causa do aumento da demanda. Mas foi para nós uma oportunidade. Sem ela não entraríamos no mercado com essa força e essa base de assinantes.

A programação traz séries, filmes de ficção, documentários, shows, concertos, óperas e balés, além de três programas semanais de jornalismo cultural. O diretor conta que o Arte1 comprou os direitos de exibição de todo o acervo da Videofilmes, que inclui o conjunto de documentários de Eduardo Coutinho (“As canções”, “Jogo de cena”), e clássicos do cinema brasileiro, como longas de Glauber Rocha, Rogério Sganzerla e Luís Sérgio Person.

— Não temos como foco um público de iniciados, nem queremos ser um canal educativo. Ao contrário, trata-se de um canal de entretenimento que quer ser acessível — diz Gallo, citando como exemplo de programação de apelo popular uma série ainda em fase de produção, feita em parceria com a produtora independente Comalt, de Nelson Hoineff, sobre roubos de obras de arte no Brasil. — Nessa série, falaremos sobre museus e história da arte, mas ela tem também o apelo de um thriller policial.

Arte de rua no Brasil é o tema de outra série coproduzida pela Aeue, um nova produtora independente de São Paulo, também em fase de produção. O canal fechou parcerias com a Pinacoteca do Estado de São Paulo, que resultou numa série de reportagens sobre o restauro de obras de arte, e com a feira SP Arte. Negocia um acordo nos mesmos moldes com a São Paulo Companhia de Dança, para a exibição de espetáculos e produção de séries. O projeto prevê ainda parcerias com outros corpos estáveis brasileiros e com instituições como a Bienal Internacional de Arte de São Paulo e eventos como a Feira Literária Internacional de Paraty (Flip).

— Está em avaliação um projeto de teleteatro, gênero tão antigo da TV brasileira. A ideia é simplesmente exibir a peça, nos moldes de um antigo programa da TV Bandeirantes, o “Teleteatro Cacilda Becker” — adianta Gallo.

Com a grande quantidade de assinantes , a expectativa é que o crescimento do Arte1 acompanhe nos próximos cinco anos o aumento da base de assinantes de TV paga, cuja perspectiva é de expansão de 25% ao ano. A programação de 24 horas do novo canal é exibida no número 115 da Net, 101 da Sky, 31 na Claro TV, e 84 na GVT. l

O cheio e o vazio - Francisco Bosco


‘Hoje, o mundo se tornou um hipermercado. E o campo digital tornou esse hipermercado globalizado em tempo real’

Há algumas semanas, Hermano Vianna publicou aqui um comentário (assim entendi, pois a menção não era explícita) à edição da “Carta Capital” que declarava “o vazio da cultura” brasileira contemporânea e, nos termos do editorial de Mino Carta, a “imbecilização do Brasil”. Na “Carta” dessa semana, Vladimir Safatle volta ao tema, afastando-se do modo como Mino Carta tratou o problema — uma avaliação objetiva e negativa sobre a qualidade das obras produzidas hoje — e lançando questões oportunas, como a necessidade de se repensar a noção de “cultura popular”. Farei aqui um comentário indireto às visões de Hermano e Safatle (talvez volte a elas mais detidamente na próxima semana), chamando atenção para um ponto que me parece importante nessa discussão.

Pautando a imprensa - ZUENIR VENTURA

O GLOBO - 20/03/2013
É da natureza da imprensa correr atrás dos fatos, mas há fatos que correm atrás da imprensa. São assuntos, personagens e acontecimentos que, por seu interesse e importância, se impõem como notícia e assim permanecem por mais tempo em destaque.

Nesses casos, diz-se que eles "pautam" os jornalistas, como está acontecendo agora com Francisco, o mais simpático, comunicativo e carismático Sumo Pontífice dos últimos tempos. Em uma semana, tudo o que ele disse ou fez foi correndo para os jornais, rádios e TVs.

Há quem não se conforme: "É um marqueteiro", já me escreveram, jogando sobre nós a culpa.

Sobra sempre para a mídia: "Vocês não resistem à sedução dele." Será isso? Sabe-se que são insondáveis os mecanismos do sucesso (se estivessem à mão de qualquer um, todo mundo usaria), mas, se tivesse que tentar explicar esse fenômeno de comunicação e marketing, abandonaria as teorias sofisticadas, inclusive as conspiratórias, e prestaria atenção no uso que o novo Papa faz da maior fonte de notícia que existe: a surpresa ou seus equivalentes, a novidade e o improviso.

Tudo nele e em torno tem sido inesperado, a começar pela humildade (alguém já tinha visto um argentino humilde?) e sem falar na eleição.

Quando se esperava qualquer outro, veio ele.

Depois foi a "revolução da simplicidade": as quebras de protocolo, as pequenas mudanças nas cerimônias, nos ritos e na tradição. Em vez dos trajes alegóricos, a batina branca, o crucifixo de prata e não de ouro, o sapato preto em lugar do chamativo vermelho do seu antecessor, o despojamento e não a pompa e a opulência.

Por fim, talvez não precisasse exagerar, o beijo no rosto de Cristina, que até há pouco não era flor que ele cheirasse.

A dúvida é se tudo isso é gratuito, espontâneo ou se disfarça e esconde uma intenção programada e uma orquestração. Há teólogos e especialistas que acreditam que os gestos de Francisco "vão além das aparências" e são um "recado" de que ele vai ser bem diferente de Bento XVI, e não apenas na cor dos sapatos. Como já foi dito, ainda é cedo para santificar o novo Francisco, e é possível que ele decepcione a direita e a esquerda. Ao contrário do que muitos gostariam, como, por exemplo, a própria presidente Dilma, ele não vai contemplar as "opções diferenciadas do indivíduo", se isso significa mexer em dogmas como aborto e casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Mas, por outro lado, os que acham que ele é apenas um factoide, uma passageira "criação da mídia", também não perdem por esperar.

Fantasias e realidades - Roberto DaMatta

 O Estado de S.Paulo - 20/03/2013

A avalanche passou. Os fatos (sempre estranhos) foram canibalizados e assim transformados em sinais, sintomas, índices, tendências, retornos e nulidades. A sociedade tem suas estruturas que lutam contra, a favor ou apesar dos fatos. Agora vai, pensamos, gritamos ou escrevemos, mas o mundo continua o mesmo.

Chávez morreu. Como outros heróis, ele morreu e, mesmo se for devidamente embalsamado, terá o destino de todos nós: um pouco mais ou menos de lembrança e o nobre esquecimento de uma paz enfim, perpétua. Entrementes, nesses tempos de renúncias e realinhamentos políticos, surgiu - graças aos volteios do Espírito Santo - essa figura mediadora entre a nossa permanente burrice e alguma coisa que nos faça voar e tentar ver mais longe - um novo papa. O tema nos pautou por algum tempo, mas já voltamos para a novela e para a tal política (a novidade esperada), deixando de lado o inesperado da novidade.

Assisti a Argo, o ganhador de melhor filme do ano. Para quem curtiu Preminger, Wyler, Clair, Ford, o velho Hitch, Wilder, Truffaut e Capra, é um "bom" filme. Mas a trama interessa: como sair de uma gravata de realidade por meio de uma fantasia? Americanos são reféns na casa de uma embaixada que pode ruir e eles serão mortos por uma onda descontrolada de radicais. Ora, o radicalismo é o outro da rotina social. Rotinas são programas que seguem uma ordem automática ou "natural". O sinal de trânsito deve funcionar, mas quando chove ele desliga. Então, surge o radicalismo de uma rua engarrafada. Nervosos, vemos baixar em cada um de nós, um espírito diferente. O estranhamento é a crise dos princípios: tenho pressa e o mundo me ordena não ser preguiçoso, mas os sinais deste mesmo mundo não me deixam passar.

Voltando a Argo. Um agente da CIA, órgão especializado em roteirizar anormalidades, descobre que o real pode ser salvo pelo mito. Num filme, inventa-se um filme para salvar os reféns. Mudando seus papéis sociais rotineiros de inimigos demonizados do aiatolá, eles se transformam em produtores, diretores, fotógrafos e atores de um filme de ficção científica a ser realizado no Irã. Temos, então, um diálogo intenso do metonímico com o metafórico. Se os radicais acreditam na montagem, podemos salvar os reféns de um roteiro absoluto dado naquele momento revolucionário. Se nossa contraficção é bem contada, o filme vira sucesso e pode ser devorado por um prêmio Oscar. Aliás, deixe que eu diga entre linhas: não pode haver nada pior do que ser consagrado. O prêmio é o fim. É o cemitério da criação.

O melhor do filme é quando no aeroporto em Teerã um agente desconfia do grupo, mas é envolvido na narrativa do filme de ficção que ficticiamente estaria sendo feito pelo grupo.

E como ninguém resiste a uma piada ou narrativa, sobretudo se ela não terminou, os agentes deixam passar o grupo tal como Sherazade viveu mil e uma noites, contando uma história para o sultão e marido traído que a condenou à morte.

Tentar ver o fim (ou em alguns casos chegar aos finalmente) é o que nos move. Eu escrevo sem saber o final. E, no final, revejo o milagre da superação da minha mediocridade por uma mediocridade escrita.

Ninguém seria capaz de viver sem uma narrativa - sem um início, meio e fim num universo interminável.

* * * *

Estou no aeroporto de Congonhas em São Paulo e tenho umas duas horas para voar para Brasília. Duas horas para matar! Sessenta minutos sem narrativa ou ficção. Vale dizer, sem foco ou fantasia. Tenho que "passar hora". Vejo um caro BMW em conveniente exposição ladeado por uma bela jovem que me informa o que interessa em toda fantasia: o preço é de 150 paus. Nem pensar...

Caminho sem rumo dentro de um lugar absolutamente demarcado pelo utilitarismo. Dizem que seria um não lugar. Eu não concordo. Somos humanos precisamente porque, entre nós, tudo tem um lugar. Se não há lugar, há a crise.

Ando em busca de um enredo. Vejo algumas pessoas assistindo, num comedor, ao jogo entre o Milan e o Barcelona. Todos ficam matando o tempo, mas o futebol ressuscita o tempo com os gols de Messi e o seu infalível enredo. Rola o jogo e os passageiros viram torcedores, tal como em Argo e na vida, quando fazemos uma coisa por outra. De repente, um companheiro de torcida grita que perdeu o avião. O jogo ocasional englobou a viagem estabelecida. Voltou a si mesmo, xingando-se por ter sido enganado por uma fantasia.

Por via das dúvidas, armei meu despertador.