sábado, 9 de novembro de 2013

A Espanha no trio elétrico - Antonio Risério

A Tarde/BA - 09/11/2013

Destaco a presença
da cultura espanhola
(e mesmo da política
ditatorial de Franco)
em nosso trio
elétrico, expressa
nas composições
Passo Doble e
Pombo Correio

Observei aqui, em mais de uma oportunidade, que quem melhor pode falar sobre a imigração espanhola para a Bahia é o antropólogo Jeferson Bacelar, que, aliás, já escreveu um livro sobre o assunto: Galegos no Paraíso Racial. Mas, como fiquei de dar uns pitacos sobre temas migratórios, mando mais uma azeitona nessa empada – ou passo algum vatapá no acarajé.

É verdade que espanhóis apareceram por aqui desde o início de nossa história. Não só gente de Castela, de Madri, mas também bascos – como, aliás, o jesuíta José de Anchieta, basco descendente de judeus que sabia escrever em tupi. Ele mesmo, por sinal, nunca se disse português, nem espanhol. Nasceu em Tenerife (o pai dele se viu obrigado a fugir da Espanha), nas Canárias. Mas, voltando ao assunto, não há uma continuidade entre os primeiros espanhóis que pisaram os pés aqui e a leva migratória que chegou no século 20.

Nessa época mais recente, a colônia espanhola chegou a representar o maior contingente de imigrantes aqui na Cidade da Bahia. Umgrupo que se concentrava principalmente, na primeira metade do século passado, no centro histórico da cidade. Como os imigrantes judeus e árabes, também eles sofreram discriminações, foram vítimas de leituras estereotipadas (espanhol = ladrão, furtando o povo em suas padarias de medidas e pesos viciados) e experimentaram, igualmente, a ascensão social e a integração.

Quando penso nessa migração, posso citar pessoas que marcaram e marcam a vida baiana. Pessoas tão diversas quanto o estudioso Valentín Calderón, examinando a pré-história da cidade, falando de nossos sambaquis milenares, como o da Pedra Oca, em Periperi. O sociólogo Gustavo Falcón, esquadrinhando a vida comercial baiana no século 19, escrevendo livros como Os Coronéis do Cacau e um recente e belo estudo sobre Mário Alves, cujo título não consigo me lembrar agora, acho que com as expressões “reformismo” e “luta armada”. Ou o empresário Carlos Suarez, antigo construtor de prédios e hoje investindo em gás, mas preocupado com a cidade e fazendo projetos para ela.

Mas há também o lance cotidiano que nem sempre é devidamente mapeado pelos historiadores – e daí o destaque que dou, aqui e ali, a esses temas do dia a dia. Como, por exemplo, o caso da presença da cultura espanhola (e mesmo da política ditatorial de Franco) em nosso trio elétrico, expressa, principalmente, nas
composições Passo Doble e Pombo Correio, sucesso fenomenal em nossos antigos e verdadeiros carnavais. A propósito, em seu livro O País do Carnaval Elétrico, Fred de Góes escreveu:

“Sendo Salvador um dos centros de maior concentração de imigrantes espanhóis no país, e sendo Dodô e Osmar frequentadores assíduos das festas e comemorações da colônia, onde tinham inúmeros amigos, a influência ibérica aparece muito forte no compositor [Osmar]. A presença do passo doble é marcante em algumas músicas executadas hoje [início da década de 1980] pelo trio elétrico, sobretudo em duas: Passo Doble Carnaval e Pombo Correio. A primeira, cujo nome já evidencia o estilo, intitulada primitivamente General Franco, para homenagear o caudilho espanhol, foi composta no início da década de 1940, de parceria com Solon Melo, mestre de bandolim de Osmar, e só gravada em 1980, no disco Vassourinha Elétrica”.

Sobre a segunda, Pombo Correio (música de Osmar com letra colocada posteriormente por Moraes Moreira), escreve o mesmo Fred de Góes: “Esta composição data de 1954 e intitulava-se originalmente Doble Morse, sendo somente instrumental. Como nesta música há uma sequência, na introdução, semelhante às batidas do código inventado por Morse, misturada com acordes de passo doble, o compositor resolveu fazer a junção e batizar a música homenageando, a umsó tempo, a colônia espanhola e o inventor do telégrafo”.

É isso aí. Foi uma surpresa, para mim, quando soube das relações de Osmar Macedo com o mundo espanhol, através dos imigrantes aqui domiciliados. Gosto de repassar informações assim. E verei se adiante trato também de árabes e judeus.