sábado, 11 de janeiro de 2014

O curral do capeta ou o enigma baiano - JC Teixeira Gomes

A Tarde/BA 11/01/2014

JC Teixeira Gomes
Jornalista, membro da
Academia de Letras da Bahia
jcteixeiragomes@hotmail.com

 A Bahia cedeu a liderança nordestina para Pernambuco e Salvador entrou em crescente declínio, sendo superada em organização e qualidade de vida pela pequenina Aracaju



A partir dos anos 50, tornou-se usual a expressão “enigma baiano” para definir curioso fenômeno: era preciso saber por que uma terra que tinha petróleo, Paulo Afonso e cacau ostentava índices tão alarmantes de atraso econômico. Pinto de Aguiar chegou a escrever um livro, Notas sobre o Enigma Baiano (Salvador, Progresso, 1958), para tentar entender o problema. Assinalou que a Bahia tinha uma economia parasitária, com lideranças empresariais sem iniciativa, mais preocupadas com comércio do que comindustrialização. Esse panorama alterou-se em parte, pois a Bahia continua apresentando alguns dos índices mais desfavoráveis do atraso brasileiro.

Progressivamente, o estado cedeu a liderança nordestina para Pernambuco, isto desde o tempo do domínio espalhafatoso de Antonio Carlos Magalhães. Instituições econômicas fundamentais deixaram terras baianas.

Salvador entrou em crescente declínio, sendo superada em organização e qualidade de vida pela pequenina Aracaju. Foi perdendo toda a riqueza do seu passado histórico. Não soube preservar sequer a reverência a suas datas magnas: o aeroporto da cidade deixou de honrar os heróis do Dois de Julho para homenagear um deputado que nem chegou a governar o estado e tampouco gostava de residir na capital. Essa anômala usurpação permanece intocada.

Recente reportagem de TV mostrou a extensão do atraso do nosso interior, exibindo as carências das populações por causa da falta de água. A calamidade agravou-se pela precariedade do abastecimento com caminhões-tanques, sujos, infectos, disseminando disenteria, vômitos, doenças várias.

Na capital, o último decênio foi de degradação absoluta. A política de liberação dos gabaritos pelo ex-prefeito João Henrique inchou a cidade, enchendo-a de espigões, e ajudando a fazer do trânsito a reedição baiana do inferno. As pessoas chegam hoje a seus locais de trabalho deprimidas e exaustas. O mal permanece inalterado pela ausência de obras.

Gostaria de convidar o prefeito e o governador para um passeio de carro pelas ruas de Salvador, notadamente, nas horas do rush, pelo Iguatemi, Pituba, rua Oswaldo Cruz, na Mariquita, avenida Tancredo Neves, Paralela, tantos outros lugares. Deixe Wagner o seu helicóptero e ACM Neto o seu transporte especial. Vamos de carro, saindo das 16h30 em diante do Salvador Shopping para, através das ruas Amoroso Lima e Almerindo Rehen, alcançarmos a rampa – eu disse rampa, a estreita e precária rampa (para um só automóvel de cada vez) que desemboca na congestionada Tancredo Neves.

Estava eu outro dia naquele local, amargurando uma enorme fila que não se movia, cerca das 18 horas, quando o taxista, irritado e suarento, virou-se para mim e exclamou: “Doutor, isto aqui é o curral do capeta! Todos os dias é este suplício, não consigo sair do lugar, a prefeitura não se mexe, não sei por que não abrem uma alternativa pela rua Frederico Simões, façam algumas coisa, construam um túnel, um elevado!”, vociferou. Concordei, arrasado pelo imobilismo.

Há um slogan oficial muito usado pelo poder em Salvador que diz: “Sorria, você está na Bahia!”. Lembrei-me então do que podem pensar dessas palavras os moradores dos guetos do Nordeste de Amaralina, Curuzu, Pernambués, Pau Miúdo, Calabar, Vale das Muriçocas, San Martin, Calabetão, Iapi, Baixa de Quintas, Nova Brasília, Beiru, Boca do Rio, Mata Escura, Saramandaia, Boiadeiro, Lobato, Massaranduba e tantos outros bolsões de pobreza e miséria, todos residentes em becos e ruas esburacadas, usando os piores ônibus do Brasil, amontoados e sem ar-condicionado. É claro que só podem achar que tal slogan foi criado por um publicitário ou marqueteiro debochado.

Enquanto isto, faltando pão, vamos ao circo! No cenário arrasado da praça Cayru e seu entorno sustentado por vigas de ferro, a prefeitura ampliou o ciclo das festas para quatro dias de Réveillon! Mas, enfim, o mal é nacional. O Brasil é o país do carnaval e este ano será o da copa. Resta saber quando será o da saúde, da educação e da segurança dos cidadãos. E, sobretudo, quando será também o país da decência política.

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