sábado, 18 de janeiro de 2014

Um papo sobre polêmicas - Antonio Risério

 A Tarde/BA  18/01/2014

 Antonio Risério
Escritor
ariserio@terra.com.br


 Aprendi a retórica
da polêmica com
Marx, Trotski,
Oswald de Andrade,
Glauber, Lennon e
Caetano. E nenhum
deles usava luva
de pelica. Partiam
para o tapa na cara
e o soco no fígado


A Bahia é engraçada. A grossura grassa para todos os lados, a agressividade explode em engarrafamentos e mercados, a violência encurrala a classe média, etc. Mas o único espaço com relação ao qual vejo as pessoas se mostrarem mais melindrosas é no campo das polêmicas políticas e culturais. Não na comunidade geral dos leitores e dos que pensam isso aqui, bem entendido. Mas, estritamente, em parte do meio jornalístico. Tendo a acreditar que é ignorância, na maioria dos casos. Em outros, predomina a hipocrisia.

Aprendi a retórica da polêmica, basicamente, com Marx, Trotski, Oswald de Andrade, Glauber, Lennon e Caetano. E nenhum deles usava luva de pelica. Partiam para o tapa na cara e o soco no fígado. Marx era um tanque de guerra. Xingava com a fúria de um profeta hebraico. Mesmo Engels, que era rico e mais delicado do que Marx, nunca foi educadinho com adversários. Me lembro de seu ataque a um avô de Otilia Assing. Ele entrou em camp chamando o sujeito de “canalha covarde”. E dizendo por que ele merecia o tratamento. Ainda no campo comunista, leiam as porradas (injustas) de Trotski em Kautsky. E Trotski era um intelectual chique e irônico, leitor de Bernard Shaw, apreciador crítico da vanguarda estética russa.

Parece que a turma, hoje, não conhece nada disso. Quando mando ver numa polêmica, dando uma porretada em alguém, o que ouço é um coro de mocinhas jornalísticas (de todos os sexos) assustadas: para que tanta violência? E a verdade é que, embora dê minhas porradas não mostro metade da virulência de Marx-Trotski-Lênin. E isso para não falar, no campo da política brasileira, em mestres do desmonte agressivo, de Lacerda a Brizola, que chamou Collor de “filhote da ditadura” e Antonio Carlos de “canalha”.

Até Mário Kertész me criticou, quando dei umas bordoadas em Nelson Pelegrino. E aí já acho hipocrisia. Como Pelegrino, em determinado momento e log para Kertész, se tornou intocável? Não sei. O fato é que Mário, num programa em sua rádio, reclamou de minha “agressividade”. Logo Mário, que desanca deus-e-o-mundo em suas falas radiofônicas, resolveu posar de ex-aluna de Domitila Garrido na Socila? Mas Mário é apenas um exemplo. Nossos jornalistas hoje, pelo que vejo, censurariam Gregório de Mattos. Afinal, Gregório dirigiu-se, a um governador-geral gay que tivemos, com a pergunta: “Mandou-vos el-rei acaso desgovernar os quadris?”.

Deixei para os mais jovens o quarteto Oswald-Glauber-Lennon-Caetano. Porque também jornalistas mais jovens, embora insultados de tudo quanto é jeito, parecem não querer mais se indignar, nem bater de volta. Estão todos virando uns fresquinhos de pulseiras coloridas, cachinhos e punhos rendados (o que não quer dizer que sejam gays, homossexuais; não: um homossexual altivo e culto como Vivaldo da Costa Lima não ouvia manifestações de estupidez e desinformação). É muito bom mocismo para o meu gosto. E a verdade é que não consigo confiar em quem faz o tempo todo o gênero de bom moço. Nelson Rodrigues já nos alertava contra isso.


Oswald de Andrade, diante de peripécias de uma certa senhora, não vacilou: referiu-se a ela como “menopáusica velhota de vermelho” Glauber era um tremendo barraqueiro, distribuindo pontapés merecidos nos medíocres que tentavam asfixiar suas leituras e projetos. Caetano e Lennon nunca negaram a palavra certa no lugar certo, chamando aos desinformados de desinformados, aos ignorantes de ignorantes, aos imbecis de imbecis e aos burros de burros.


Quando foi vaiado e agredido no show Araçá Azul, aqui na Concha Acústica, Caetano caminhou até à frente do palco, olhou a plateia de uma ponta a outra e fuzilou: “vão à puta que pariu – e não tem mais porra nenhuma!”. E é assim mesmo. Querem discutir, vamos; idiotice para cima de mim, não. Impossível não se indignar coma estupidez – principalmente, quando é boçal. A menos que a gente se lembre sempre do velho Ezra Pound, qu dizia que devemos ser eternamente gratos à burrice, porque só ela é capaz de nos dar uma ideia aproximada do que seja o infinito.

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