sábado, 8 de março de 2014

Temerários privilégios - Walter Queiroz Jr.

A Tarde/BA 08/03/2014

Walter Queiroz Jr.
Advogado, poeta, compositor,
membro da Confraria dos Saberes
waljunior44@hotmail.com

Nosso Carnaval está virando, pela ostentação
das elites, uma bomba retardada
de rancor cidadão. Um ressentimento
coletivo vem avolumando-se e
clamando por mais espaço e respeito. Um
lento despertar do descaso a que são submetidos
os foliões, sintomaticamente chamados
de “pipocas”. Os camarotes exibem
sem nenhum pudor suas regalias e frivolidades.

E grandes artistas, outrora compromissados
com a causa popular, agora, também,
beneficiários do modelo, sustentam a pantomima.
Os bares do circuito, contaminados
pelo mau exemplo, passaram a cobrar
ingresso, restando ao folião comum o
deus-dará das ruas, oprimidos pelas anacrônicas
cordas e a estridência dos trios!

Um hedonismo leviano, induzindo adolescentes
à exibição de seus corpos, estimulando
lúbricas cobiças. Em lugar da alegria,
estado de alma legítimo que emana do
afeto solidário, uma coletiva embriaguez
instigando os baixos instintos agride os
nossos ouvidos, promove a vulgaridade, e o
resultado é a violência, sobretudo contra a
mulher. Patéticos discursos costumam retardar
os desfiles que, no fim, deixam órfãos
de transporte exaustos foliões.

A cidade, tristemente, vai sendo dividida:
a orla para as elites e o Carnaval do centro,
em progressiva decadência, para os menos
abastados. O tal do Afródromo (que nome
difícil!), um canhestro artifício para manter
os lindos blocos afros sempre confinados e
nunca na Barra!

Numa cidade ainda cheia de crônicos
problemas, uma festa de quase 10 dias é
injustificável. A histórica Mudança do Garcia
perdendo sua coragem crítica tende a
acabar. O Furdunço representa um passo a
frente, mas é pouco.

Sobretudo, urge corajosa reflexão sobre
os danos sociais desse nosso modelo de
folia, sua falta de limites e seus temerários
privilégios.

...quem me dera viver pra ver e brincar
noutros carnavais... (Lyra e Vinicius)

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