Valor Econômico - 23/05/2014
A ocasião é rara. Menos pela entrevista do que pelo almoço. Josué
Gomes da Silva, filho do vice-presidente José Alencar, morto em 2011,
não almoça. Só aos fins de semana. É assim desde os tempos que cursava
duas faculdades em Belo Horizonte: engenharia e direito. Passava o dia
movido a café - com muito açúcar. "Dá energia", diz. À tarde, ele sempre
estava na Coteminas, companhia têxtil de cama, mesa e banho fundada por
seu pai em 1967. Hoje, aos 50 anos, à frente da empresa familiar,
mantém o hábito de fazer apenas duas refeições diárias: café da manhã,
às 6h30, e jantar, às 21h30. "É um erro gravíssimo. Ainda vai me custar
caro." Três décadas depois, praticamente só o café mudou. Agora é
amargo.
Ao aceitar o convite para este "À Mesa com o Valor", Josué responde
com bom humor à proposta para que escolha um restaurante de sua
preferência. "Pode ser em qualquer lugar. Até no McDonald's. Não almoço
mesmo", brinca.
Alguns dias depois, Josué chega animado ao Brasil a Gosto,
restaurante próximo ao escritório de sua empresa, em São Paulo. A casa
da chef Ana Luiza Trajano, de gastronomia brasileira, combina uma
decoração moderna com fartas referências à cultura nacional, moldura
perfeita para a conversa. O Brasil é mesmo o prato principal do almoço.
Sem beber água e sem tocar nos biscoitos de polvilho da entrada, Josué
começa a falar a seco, sempre com dados e análises na ponta da língua.
As questões energéticas do país - nem a Coteminas, nem a política
explicitamente - são o tema inaugural da conversa. O discurso já se
alinha com o de um político.
Sucessor do pai na Coteminas, Josué está no comando dos negócios
desde 1996. Até há alguns meses avesso à vida pública, o empresário pode
encarar agora a sucessão na política. José Alencar, além de senador,
foi vice-presidente de Luiz Inácio Lula da Silva durante seus dois
mandatos. Como empresário de destaque, teve papel fundamental no projeto
do Partido dos Trabalhadores (PT) de diminuir a desconfiança de parte
do eleitorado em relação à imagem radical.
Josué está decidido a concorrer ao Senado de Minas Gerais nas
eleições de outubro. A palavra final está nas mãos do PMDB, ao qual se
filiou em 2013. O martelo deve ser batido na convenção do mês que vem.
"Papai sempre falava coisas boas da política quando mamãe dizia que era
sacrifício." O PMDB foi o partido original de Alencar, que também passou
pelo Partido Liberal (PL) e depois pelo Partido Republicano Brasileiro
(PRB).
- O senhor fala como se sua candidatura fosse inexorável.
- Vamos pedir?
Apesar da interrupção e do suspense, Josué não evita o tema de sua
candidatura. Antes, escolhe uma pescada amarela, acompanhada de purê de
banana-da-terra. Não exatamente por gosto. Torce o nariz na hora de
comer peixe, já que prefere carne vermelha. A opção se justifica porque
precisa ser algo leve, dado o inusitado do evento em seu cotidiano.
Pedidos feitos, a política volta ao cardápio do encontro,
especialmente pela figura paterna, sua grande devoção - "papai", como se
refere a José Alencar. "Falava com ele todos os dias. E ainda falo." É a
partir da história do pai, que vai, aos poucos, revelando suas
opiniões.
Se for candidato, deve adotar o nome Alencar. "Porque tem peso", afirma. "Além do mais, já me chamam de Josué Alencar."
Alencar, de registro, Josué nunca foi. Nascido em 25 de dezembro, é
Josué Christiano Gomes da Silva, o que entrega a devoção religiosa dos
pais. "Alencar não é sobrenome. É nome do meio. Mas papai sempre foi
José Alencar. Pegou. Mesmo antes da política." Para suprir essa falta,
que faz com que por vezes não o encontrem nos hotéis, seu filho, hoje
com 23 anos, foi batizado e registrado como Josué Alencar. Além de Gomes
da Silva, claro.
Mesmo discreto, bem ao estilo mineiro, os enormes olhos azuis
marejados de Josué denunciam a emoção recorrente em meio às histórias do
vice-presidente, morto após uma batalha de 14 anos contra o câncer.
Conta que sempre fugiu da política, para deixar clara a separação entre a
empresa e a vida pública do pai. "Política é a arte do convencimento",
diz o empresário. Disposição para persuadir interlocutores tem de sobra.
"Argumentar, argumentar e argumentar. Convencer e engajar."
No início do ano, não aceitou entrar na vida pública, quando foi
convidado para o Ministério da Indústria, Desenvolvimento e Comércio. Já
pensava no trabalho para uma campanha, tanto para o seu partido quanto
para a presidente Dilma Rousseff. "Cheguei a ponderar. Fiquei honrado,
ainda mais porque era para uma pasta à qual sempre estive ligado. Mas
acho mesmo que posso ajudar muito mais em Minas Gerais, neste momento."
Para Josué, o humor na economia poderia melhorar com uma única coisa: “O ajuste no combustível”
O Estado terá peso extra na corrida presidencial. É de lá um dos
principais concorrentes da também mineira Dilma, o tucano Aécio Neves -
como Josué, um herdeiro político. O pré-candidato do PSDB é neto do
presidente Tancredo Neves (1910-1985). Foi eleito governador em 2002 e,
na reeleição, teve a maior votação já registrada em Minas Gerais.
Renunciou em 2010, para concorrer ao Senado.
Engenheiro, Josué tem cálculos para justificar a recusa do
ministério. "É ano de eleição. Um dos candidatos é um mineiro muito bem
visto em Minas Gerais. A Dilma ganhou a eleição em Minas com mais de 1
milhão de votos de vantagem. Neste ano, o Aécio quer vencer no Estado
com mais de 3 milhões de votos de vantagem. Se isso acontecesse, seria
uma diferença [em relação à eleição anterior] de 4,5 milhões num colégio
em que, de fato, acabam votando de 90 a 95 milhões de pessoas. É um
percentual altíssimo! Isso não vai acontecer. Mas para não acontecer,
todos nós teremos de ajudar."
O empresário ressalta que não precisa ser candidato para atuar na
campanha, mas admite: "Se vier a ser chamado - e isso depende do meu
partido, que precisa achar que posso ser útil - eu vou aceitar." Diz
assim, em bom "mineirês". "Estão falando que se eu for candidato, vou
para o sacrifício. Mas é um sacrifício nobre. Papai já se sacrificou
assim e ganhou." Sua candidatura deve enfrentar um nome forte na disputa
pelo Senado, o ex-governador mineiro Antônio Anastasia (PSDB), muito
próximo a Aécio, de quem foi vice-governador.
Também o pai, quando convidado em 1998 a concorrer ao Senado, não era
franco favorito. O posto era do ex-governador Hélio Garcia. Mas Alencar
saiu vitorioso. "Obviamente, não entro em nenhuma disputa achando que
não posso ganhar, seria até desonesto. Mas tem que trabalhar dobrado."
Na visão de Alencar, o filho seria juiz de direito e chegaria ao
Supremo Tribunal Federal. Josué gostava de engenharia, era o terceiro
aluno da turma na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Mas
paixão mesmo tinha pelo direito - era o primeiro da sala, na Faculdade
Milton Campos. "Eu acho que o papai sabia que a vida empresarial era de
muita dedicação. Talvez dissesse isso [de ser juiz] para testar minha
vocação."
A vida mostrou o quão difícil é essa atuação, em especial após a
fusão com a americana Springs. Do momento da combinação dos negócios,
quando o plano era tornar a Coteminas uma plataforma de exportação, até
2011, ano em que concluiu a reformulação do projeto, hoje centrado no
Brasil, foram só notícias difíceis. Corte de receita e fechamento de
fábrica. Em 2006, data que se deu a combinação entre Springs e
Coteminas, o grupo tinha receita líquida de R$ 4,8 bilhões e gerava,
fora do Brasil, 2/3 do faturamento. Era, então, um gigante com 31
fábricas entre EUA, Brasil, México e Argentina, com capacidade produtiva
de 270 mil toneladas.
A crise na economia americana e o real valorizado levaram a empresa a
uma drástica redução das operações. Sete anos depois, o grupo tem um
pouco menos da metade do tamanho. A receita líquida ficou em R$ 2
bilhões no ano passado - agora só com um 1/3 obtido no exterior, na
proporção inversa a do momento da fusão. São 15 fábricas capazes de
produzir 120 mil toneladas por ano. Os maiores ajustes ocorreram nos
EUA. "Não adianta remar contra a maré. Por melhor nadador que você seja,
é perigoso não chegar a lugar nenhum. Agora, se for com a maré, vai
chegar em outro ponto da praia. Mas pelo menos vai chegar."
Do direito, do qual o pai achava que viria a profissão, veio o
casamento. Foi no curso que conheceu a mulher, Cristina. Ficou noivo aos
22 anos, antes de ir aos EUA cursar o MBA em finanças e operações
industriais em Vanderbilt, no Tennessee. Ao estilo prático de Josué, o
casamento, aos 23 anos, foi por procuração. Quem casou em seu lugar, no
civil, foi o pai. Assim, Cristina pôde obter um visto para permanecer
nos EUA enquanto o marido estudava. Veio para o Brasil, durante o
feriado americano de Ação de Graças, para a cerimônia religiosa. Depois,
voltou aos EUA para seguir o MBA.
A vida cotidiana e a convivência com o pai falaram mais alto do que a
paixão pelas leis. Caçula dos três filhos que José Alencar teve do
casamento com dona Marisa Gomes da Silva, e único homem, Josué ia com o
pai "para todos os lugares" desde cedo. As filhas não seguiram na
carreira empresarial. "Papai ia muito ao Banco de Desenvolvimento de
Minas Gerais [BDMG], eu devia ter oito anos. E eu acompanhava, gostava
da broa que serviam lá, com café. Eu ia pela broa, mas acabava ouvindo. E
você vai ouvindo e vai aprendendo."
Josué se embrenhava nas fábricas ainda criança, mas recebeu seu
primeiro salário apenas aos 26 anos, um ano e meio depois de retornar do
curso de MBA nos EUA. "Tem muita foto minha dentro da fábrica. A gente
tinha sociedade num cotonifício, no interior de Minas Gerais, e era uma
fábrica muito antiga, que não tinha sistema de limpeza de ar. Tinha
altura ideal, aos dez anos, para emendar fio no filatório. Fiquei craque
naquilo, mas saía branco de algodão. Acho que já era um pouco do sangue
falando."
O estilo mineiro veio da convivência, pois Josué nasceu mesmo no Rio,
onde passou poucos dias. Até os três anos de idade, viveu em Ubá, no
interior de Minas. Só então é que foi para Belo Horizonte. Josué se
diverte com sua fama de escorregadio e discreto, o avesso da imagem
cristalizada dos cariocas. "Não preciso me preocupar com isso. Dizem que
gato que nasce no forno não é biscoito."
Josué, caçula e único homem, com José Alencar e dona Marisa
Créditos: Arquivo pessoal
Mas
não é identidade carioca que Josué terá de enfrentar na corrida ao
Senado, e sim a paulista. Como o empresário fixou residência em São
Paulo desde que voltou dos EUA, esse é um tema sensível, na visão de
analistas.
A seriedade na fala e a voz grave, de timbre forte (igual a do pai a
ponto de confundir até a mãe), tendem a naturalmente intimidar seus
ouvintes. A sobriedade é quebrada pela habilidade em seduzir os
interlocutores com suas histórias cheias de detalhes. "Em Minas, tinha
um restaurante chamado Alpino. Era de um alemão. Todas as sextas-feiras,
os principais dirigentes das têxteis de lá se reuniam para discutir o
país. Papai ia sempre", conta. "A coisa melhor do mundo é isso. Na mesa,
você conserta tudo. De tanto que ele consertou o país na mesa do bar,
decidiu trabalhar nisso."
José Alencar entrou na política aos 63 anos, quando concorreu ao
governo de Minas Gerais, em 1994. Ficou em terceiro lugar na disputa.
Deixou a cena empresarial definitivamente, em 1998, com a candidatura
vitoriosa ao Senado. Josué estava com 35 anos e já era superintendente
geral da Coteminas.
A despeito da candidatura não ser oficial - a ponto de tratá-la como
"hipótese" -, Josué tem certeza de seu papel na política. Será um
"soldado do partido na briga pela reeleição de Dilma". "Papai sempre
respeitou a política como instrumento de construir um Brasil melhor. Ele
citava [Benjamin] Disraeli, primeiro-ministro do Reino Unido
[1874-1880], que dizia: 'Se nas ilhas britânicas imperava a liberdade é
porque os homens de bem tinham a mesma audácia dos bandidos'."
Quando os convites para filiação partidária começaram a aparecer,
Josué diz que essa era uma questão que sempre deixava clara. "A única
coisa que sempre expus é que não poderia deixar de apoiar o projeto
começado pelo meu pai, com o presidente Lula, e que está tendo
continuidade com a presidente Dilma."
Josué conta que o laço entre Lula e seu pai tornou-se ainda mais
vigoroso após o término do mandato. "Lula foi muito carinhoso.
Telefonava diariamente e visitava toda semana. Havia uma ligação forte
de amizade. Mais até do que de convergência na gestão do Estado."
Foram três os principais motivos que o levaram a se filiar ao PMDB. O
primeiro foi o respeito à memória do pai. Sempre disse à família que
deveriam sentir-se "honrados e agradecidos" com os convites. O aumento
da atuação política se deu justamente após a morte do vice-presidente,
quando passou a compor conselhos, como o de Desenvolvimento Social,
Ciência e Tecnologia. "Eu me senti na obrigação, para com ele, de
participar mais."
O segundo motivo: ter armas para lutar na campanha de Dilma. "Sempre
me diziam que se eu queria ser um soldado, não poderia ser um sem armas -
o que aconteceria se não pudesse me candidatar. Entrei na política para
ser um militante." Daí a decisão de aderir à legenda dentro do prazo
para disputar uma eleição, se necessário fosse.
E o terceiro, os movimentos de rua de junho do ano passado. Boa parte
dos protestos ocorreram na avenida Paulista, onde fica o escritório da
Coteminas em São Paulo. Foi olhando para a avenida que Josué decidiu
aceitar a vida política.
Nos dias em que a avenida foi bloqueada, atravessou as manifestações
na volta para casa a pé. "Antes de virar quebra-quebra, era algo tão
legítimo. Ali, não vi negação nenhuma da política. Vi afirmação. Pensei:
'Puxa vida, olha um monte de jovens fazendo isso. Será que eu não posso
fazer também, de outra forma?'."
O engajamento na política traz uma dúvida: quem fica no comando da
Coteminas? Josué tem fama de centralizador. Recusa a imagem, mas é a
identidade da empresa. Diz que essa "lenda urbana" se deve ao fato de a
companhia ter uma cultura muito forte, o que torna a gestão homogênea.
Os filhos não devem repetir a história do pai. A filha, de 25 anos, é
arquiteta e tem o seu negócio e Josué Alencar é empreendedor na área de
tecnologia.
Depois do duro enxugamento após a compra da americana Springs, o
futuro parece finalmente mais tranquilo, o que o deixa confortável para
pensar em política. "Eu brinco dizendo que Deus criou o câmbio para
deixar os economistas humildes. E criou os EUA para me deixar humilde",
diz, descontraído. Mas não entrega como será a sucessão.
- Quem ficará no comando da Coteminas?
-Quando?
- Em junho. Está perto.
- Em junho há uma convenção [do partido]. Depois, tem eleição. Depois, diplomação e posse. E nem candidato eu sou.
Após se divertir em deslizar da resposta, diz apenas que, por causa
da Copa, a campanha deste ano deve ser muito curta. Aliás, torce para
que o país avance também no futebol. Do contrário, teme que as
reivindicações com relação ao legado da Copa possam partir para a perda
do Estado da paz social.
Quando um pot-pourri de doces brasileiros chega à mesa - uma cortesia
levada pela própria chef Ana Luiza -, Josué não resiste. "Aquele ali
está piscando para mim." Seu apetite se abre também para falar sobre as
demandas para que o Brasil cresça. Como industrial, queixa-se da
produtividade do país. "Estamos atrás de grande parte de nossos
competidores." O cenário exige investimento em educação e
infraestrutura, mas ambos precisam de tempo para trazer resultados
práticos.
Para o curto prazo, sugere reduzir a regulação das pessoas físicas e
jurídicas. "Defendo a simplificação de tudo. O Brasil se tornou muito
complexo. O Brasil tutela muito o cidadão." Mas sabe que essa
modificação é talvez a mais difícil, pois é um traço cultural. Para ele,
o discurso da "proteção" do Estado é mais fácil do que o da valorização
do cidadão, que o deixa escolher por si. "O legislador, por exemplo,
existe para fazer leis. Mas a gente deveria eleger legisladores para
desfazer leis também. Isso deveria ser uma atividade nobre."
Josué defende também que a simplificação comece por uma reforma
fiscal e pela descentralização. "Os municípios devem ter mais acesso aos
recursos, pois estão mais próximos do cidadão. Mas, também, precisam
ter mais atribuições."
Como um possível candidato da situação, ele ameniza algumas críticas
feitas ao país. "Há desafios, é verdade. Mas se olharmos o Brasil versus
outros emergentes, há um certo exagero. Da mesma forma que o Cristo
Redentor não estava decolando, ele também não está desgovernado", diz,
em referência a dois momentos em que o Brasil tornou-se capa da "The
Economist".
Distorções de análise, pondera, são comuns em anos eleitorais, mas
alerta que é preciso ficar atento à imagem do Brasil. Mais uma vez, cita
a mídia internacional, por causa de uma reportagem do "The Wall Street
Journal", que classificou o Brasil como uma nação de forte atuação do
Estado. "Não acho que o governo da Dilma seja intervencionista. Ela é
muito zelosa e muito cônscia de sua responsabilidade. Às vezes, esse
excesso de zelo dá a impressão de intervenção. Mas não creio que a Dilma
tenha como ideologia maior presença do Estado na economia. Só que essa
história de percepção, às vezes, vale mais que a realidade."
Por isso, vê espaço para avanços no humor geral com a economia. "Dava
para melhorar muito com uma única coisa: o ajuste no combustível." Para
ele, que chegou a compor o conselho de administração da Petrobras, a
distorção deveria ter sido resolvida há tempos. Mesmo tão próximo da
campanha, diz acreditar que há tempo hábil para isso. "É melhor o custo
que você consegue medir, a inflação, neste caso, do que o que você não
vê: toda essa imagem negativa sobre o país."
Como empresário, também aposta no Brasil. Ele projeta que a expansão
da Coteminas, depois da operação com a Springs, virá necessariamente do
mercado doméstico. Vê espaço para a receita líquida chegar a R$ 3
bilhões em 2016. Mas, apesar de o plano para a companhia estar refeito, a
lembrança dos anos após a união com a Springs é amarga. "Foram seis
anos de dificuldade econômica nos EUA e seis anos de contínua
valorização cambial no Brasil."
Ao ser questionado se está arrependido da fusão, diz que o erro foi
outro. "Quando fizemos o negócio, provavelmente já não tínhamos
alternativa." A Springs era a única distribuidora de cerca de 60% das
vendas Coteminas. Essa concentração, ele não repetiria.
É na história de como se deu a parceria com a centenária companhia
americana que atinge o ponto alto de sua narrativa. Percorre o passado
em detalhes, com a descrição das salas onde ocorreram as reuniões, os
nomes dos personagens e até suas expressões. "Tudo se deu porque eu me
recusei a dar o preço de uma toalha."
No início dos anos 2000, a Springs fez à empresa uma encomenda que
era o "sonho de todo industrial". Uma única toalha, de uma única cor,
num volume que superava toda a produção local, distribuída em mais de
500 tipos de produtos.
O pedido era para atender a ninguém menos do que a varejista Walmart.
Ao receber o produto, a rede americana veio ao Brasil e tentou negociar
diretamente com Josué, que se recusou, por ter sido a Springs quem lhe
abriu as grandes portas do mercado americano - e ainda convidou
executivos da parceira americana para o encontro.
No dia seguinte ao episódio, a dona da Springs, Crandall Close, ligou
e sugeriu "a tal da aliança estratégica", que acabou selada em 2001.
- O que é aliança estratégica, Crandall? -, perguntou a ela.
- Queremos que vocês vendam nos EUA apenas através da Springs.
- Mas por que eu faria isso?
- Damos uma garantia de mínimos.
- Só isso para eu ficar fora do maior mercado do mundo? Não serve.
Mas vamos fazer o seguinte, se você concordar em só comprar da
Coteminas, posso pensar em concordar em só vender pela Springs.
Foi a partir do diálogo acima que nasceu a interdependência das
companhias e que culminou, cinco anos mais tarde, na "fusão de iguais",
que na prática deu o controle da americana a Josué.
Longevidade e tradição. Essas são as palavras eleitas pelo empresário
para explicar os pontos fortes do segmento têxtil de cama, mesa e
banho, comparado ao de vestuário.
E manter tradição é algo que Josué entende - com forte controle de
custos, de preferência. A mão forte do empresário sobre os gastos não é
mais uma lenda no universo corporativo. Muito se fala sobre o escritório
da Coteminas em São Paulo não ter uma recepcionista. No hall de
entrada, só um balcão e uma lista de ramais para o visitante se
anunciar. A mais pura verdade.