sexta-feira, 14 de março de 2014

Talento para um leque de gêneros [Paulo Goulart] - Barbara Heliodora

BARBARA HELIODORA
Especial para O GLOBO

 14/03/2014

Homem bonito, de uma
simpatia irradiante, é
natural que desde logo
tenha encontrado o
sucesso e que passasse a
vida em intensa atividade,
entre o palco e a telinha

O teatro fica mais pobre com a morte de Paulo Goulart, que nunca permitiu que o sucesso na televisão o afastasse do palco, que era a sua casa. Minha primeira lembrança dele é em uma peça que eu nem sei qual é, um espetáculo modesto, mas que me deixou a nítida impressão de que eu tinha visto um ator. Homem bonito, de uma simpatia irradiante, é natural que desde logo tenha encontrado o sucesso e que passasse a vida em intensa atividade, entre o palco e a telinha. Dois trabalhos de há muito tempo eu guardo sempre na memória: o rígido professor sueco (com discreto sotaque alemão) na “Lição de botânica”, de Machado de Assis, e sua hilariante e charmosa atuação como a chefe da “Orquestra de senhoritas”, que servem também para mostrar como era amplo o leque de gêneros que seu talento alcançava.

Creio que é com isso que mais podemos identificar o ator Paulo Goulart : sua fome de teatro, sua disposição para fazer papéis nos mais variados gêneros (aos quais juntava a variedade na televisão, é claro). Foi ótima sua atuação em “Oh! Que delícia de guerra!”, o notável musical que denunciava os erros e as tragédias da Primeira Guerra Mundial, e foi sem dúvida de Paulo o melhor e mais esmerado trabalho do todo o elenco do “Rei Lear” de Celso Nunes. E após uma ausência por demais longa dos palcos cariocas, Paulo teve novamente uma brilhante atuação em “Arte”, a sofisticada comédia intelectual também diversa de muitos trabalhos anteriores.

Mas falar de Paulo Goulart tem de ser também falar do amigo e, principalmente, daquela unidade específica chamada Paulo e Nicette, e de sua transmissão do DNA do teatro a Barbara, Beth e Paulo Filho; entrar em sua casa era entrar em um clima muito especial, era ser recebido com uma alegria e um carinho com poucos iguais por este mundo. Todos atores, sempre formaram um conjunto tão harmônico que chegava por vezes a parecer irreal; e, no entanto, todos os que tiveram a sorte de privar com eles puderam sentir a solidez de realidade daquela vida familiar, em que não há triunfo pessoal que não seja curtido por todos, em que a vida e o trabalho são sempre encarados com alegria e esperança.

O desaparecimento de Paulo Goulart é uma grande perda para o universo das artes, e a pessoa, perda ainda maior não só para esse unidíssimo núcleo de sua família, mas também para seus amigos, a quem ele sempre deu tanto de sua inesgotável generosidade