domingo, 8 de novembro de 2015

‘Porque estamos em 2015’ - Dorrit Harazim

  • 8 nov 2015
  • O Globo
  • DORRIT HARAZIM Dorrit Harazim é jornalista
 É mais fácil o presidente da Câmara tourear a cassação do seu mandato com os políticos do que abafar o movimento das mulheres

 Desde sua vitória de arromba nas eleições gerais de três semanas atrás, o canadense Justin Trudeau tem sido um deleite para fotógrafos. O segundo primeiro-ministro mais jovem do país (43 anos) mergulhou com entusiasmo em selfies com mulheres portandoo hijab, ensaiou uma dança típica com hindus, fez refeições com conterrâneos muçulmanos.


Também a cerimônia de posse desta quarta-feira ofereceu novidades telegênicas. Um dos pontos altos foi a lúdica apresentação de canto gutural inuit, uma tradição do povo indígena da Região Ártica. Trata-se, na verdade, de uma competição: duas mulheres ou meninas esquimós, posicionadas cara a cara, emitem pela garganta sons de animais ou da natureza. Perde aquela que rir primeiro. Educadamente, os presentes à posse do 23º chefe de governo também riram e aplaudiram.

Para quem vê nisso tudo sinais alarmantes de barato populismo multicultural, Trudeau reservou uma surpresa: a composição de seu gabinete. Os ministeriáveis chegaram juntos à cerimônia no centenário Rideau Hall de Ottawa. Num mesmo micro-ônibus, nada de limusines pretas.

A grande maioria dos integrantes do novo ministério tem entre 35 e 50 anos. Dois são aborígenes. Três são seguidores da doutrina sikh, surgida na região do Punjab indiano séculos atrás. E 15 são mulheres — metade exata do gabinete de 30 membros. “Por que considera esse equilíbrio de gênero tão crucial?”, quis saber a mídia logo após o anúncio. Trudeau pareceu espantado com a pergunta, pela obviedade da resposta: “Porque estamos em 2015”, disse apenas, antes de passar para questões mais complexas. Resumia assim o pensamento de um homem de seu tempo. No atual governo de Dilma Rousseff, aparelhado 275 dias após sua reeleição, o placar é de 27 homens para quatro mulheres.

No caso canadense, não se trata de uma questão apenas numérica. Ela também pretende ser qualitativa. Os ministérios de Comércio Internacional, da Justiça, das Instituições Democráticas e da Mudança Climática e Meio Ambiente estão entre as pastas agora comandadas por mulheres. Uma delas, Maryan Monsef, chegou ao Canadá aos 11 anos de idade, refugiada do Afeganistão.

No vasto país do Hemisfério Norte de apenas 36 milhões de habitantes, prevalece a compreensão de que a moderna nação-estado se construiu através de sucessivas ondas migratórias. Desde os egressos da Guerra de Independência americana, primeiros a receber do país vizinho um quinhão de terra, até os refugiados dos conflitos, desastres naturais e a fome de hoje, o Canadá se orgulha da tradição humanitária.

Nesse sentido, o governo conservador de Stephen Harper, que antecedeu a Trudeau e se manteve no poder por quase uma década, foi um ponto fora da curva. Centralizador, polemista, político de estilo combativo e autoritário, Harper considerava equivocado “derramar ajuda sobre gente que já morreu”, referindose aos despossuídos em busca de um recomeço de vida.

Foi surrado nas urnas em 2015 por não ter compreendido seu tempo nem sua gente, que votou em peso — 68% do eleitorado compareceram, apesar de o voto ser facultativo.

(Também Eduardo Cunha pretende não ver a dimensão do #AgoraÉQueSãoElas e a força do ronco feminino contra o seu projeto que dificulta o acesso ao aborto legal para vítimas de estupro. É mais fácil o presidente da Câmara tourear a cassação do seu mandato com os políticos do que abafar o movimento das mulheres).

“Meu governo é a cara do Canadá”, pode dizer Trudeau, “e a maioria sinalizou que é hora de uma mudança real”. O seu novo ministro da Defesa, por exemplo, usa turbante, barba e bigodão sikh, e nasceu na Índia. Mas não é por isso que o tenente-coronel Harjit Sajjan mereceu a pasta. Veterano de três temporadas na Guerra do Afeganistão e uma no conflito dos Balcãs dos anos 1990, o condecorado Sajjan pretende destrinchar o Canadá da reação ao ataque do 11 de Setembro que há 15 anos envenena a geopolítica mundial.

No dia da posse, Justin Trudeau foi mais uma vez perguntado se planejava perpetuar o legado do pai — Pierre Elliott Trudeau foi o premier mais pop e popular que o Canadá já teve e governou o país por 15 anos no século passado. “Meus pensamentos hoje não são para meu pai — sorry, Dad — mas para que meus próprios filhos e as crianças deste país tenham um futuro melhor”, respondeu o filho. Porque estamos em 2015.

Pergunta a Pedro Paulo Carvalho, secretário de Coordenação do Governo carioca e delfim do prefeito Eduardo Paes à sua sucessão nas eleições do próximo ano: em que órbita ele vive para classificar de “descontrole” a agressão à sua ex-mulher (à época ainda casados)? Pelo depoimento da acusadora feito em 2010 à Polícia Civil, ela foi derrubada no chão, agredida com chutes, socos e empurrões. Também teve um dente quebrado.

Porque estamos em 2015 isso se enquadra na Lei Maria da Penha.


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