sábado, 28 de novembro de 2015

E no entanto se move - Zuenir Ventura


  • 28 nov 2015
  • O Globo

Seria uma tarefa constrangedora cortar na própria carne numa casa como o Senado, de forte espírito de corpo, onde presidente
está sendo investigado


Pode ser apenas impressão. Mas alguma coisa talvez esteja mudando. Assistir num mesmo dia ao que se assistiu na última quarta-feira foi uma incrível surpresa num momento em que se reclamava da mesmice e da repetição, e de um país sem contrapartida às más notícias. De repente, acordamos com um acontecimento absolutamente inédito e fomos dormir com outro pelo menos raro. De manhã, foi servida a informação que causou “perplexidade”, palavra muito usada na reação diante do que era até então impossível: a prisão de um parlamentar

no exercício de seu mandato, no caso o líder do governo no Senado, Delcídio Amaral, junto com o poderoso banqueiro André Esteves (está preso em Bangu, frequentado até então apenas por banqueiros de bicho). A voz do primeiro aparecia numa gravação tentando comprar o silêncio do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró, oferecendo R$ 4 milhões, R$ 50 mil por mês para a família e um detalhado roteiro de fuga para o exterior. Tudo para que os dois nomes não fossem citados por Cerveró, que firmara acordo de delação premiada na Operação Lava-Jato.

Delcídio foi logo lançado às feras pelos seus companheiros. O PT, em nota, negou-lhe solidariedade, ao contrário do que fizera no mensalão, transformando condenados como José Dirceu em “guerreiros do povo brasileiro”. Além disso, quer expulsá-lo e, como se fosse pouco, o ex-presidente Lula chamou-o de “idiota” e “imbecil” (o seu instituto desmentiu, mas duas testemunhas, segundo a “Folha”, confirmaram). Pode haver quem se arrependa de tê-lo execrado se, por acaso, Delcídio resolver também ser um delator. De qualquer maneira, foi assim, rejeitado e encarcerado, que Delcídio seria julgado à noite por seus pares. Era difícil ficar conivente com ele diante de provas que o tornavam quase indefensável. Mas, apesar disso, cortar na própria carne numa casa de forte espírito de corpo, onde o presidente está sendo investigado, seria uma tarefa constrangedora. E foi, ainda mais que o acusado é tido como uma pessoa afável, de livre trânsito e muito benquisto pelos adversários. Ganhou elogios até de muitos dos 59 que votaram por mantê-lo na prisão. Sua derrota foi dupla. Perdeu quando o plenário preferiu que o voto não fosse secreto, como queria o presidente e os outros que não gostariam de revelar sua escolha. E perdeu em seguida, quando a maioria aprovou a decisão do STF de mandar prendê-lo, contra apenas 13 que queriam sua liberação.

Essa espécie de rebelião ética do Senado contra a vontade de quem o preside poderia servir de lição para a Câmara. O presidente dessas Casas não deve ser um ditador, principalmente se coberto de graves denúncias. Quando nada, para reforçar a impressão de que o país, como a Terra, está se movendo — e, espera-se, para melhor.